quarta-feira, 7 de abril de 2021

Arthur de Azevedo (Uma por outra)

O Paulo jantou apressadamente e, mal acabou de sorver o último gole de café, pôs o chapéu, saiu de casa, tomou na Rua do Catete um bonde que passava, apeou-se no largo da Carioca, desceu a Rua da Assembleia e dirigiu-se para o lado das barcas.

Estava febricitante: a Isabel, que durante quatro meses não fez o menor caso de seus protestos de amor, resolvera, afinal, conceder-lhe uma entrevista.

A linda costureira (a Isabel era costureira) ficara de estar às oito em ponto à porta da estação das barcas. Eram sete e quarenta.

Estava tudo muito bem combinado. Entrariam ambos na estação sem se falar, como se não se os conhecessem; tomariam a primeira barca e subiriam para a tolda, a fim de conversar à vontade. Desembarcando em São Domingos, um bonde levá-los-ia a Icaraí. Na saudosa praia esperava-os um ninho discreto, onde passariam a sua primeira noite de amor. Estava tudo muito bem combinado.

Por que Icaraí?... Por que não Copacabana ou Tijuca?... Por nada: tinha sido um capricho da Isabel.

Notou o Paulo que, um pouco distante do lugar em que ele se achava, isto é, da porta da estação, estava, como que protegida pela sombra, uma senhora de preto, que tinha, pouco mais ou menos, o corpo e a estatura de Isabel. Seria ela que, por qualquer circunstância, não tivesse querido chegar mais perto? Ele aproximou-se, disfarçou, observou, e voltou para o seu posto. A senhora de preto não se parecia nada com a outra. Era aliás mais bonita.

Passou meia hora... passou uma hora; chegaram e partiram numerosos bondes... as barcas de vez em quando despejavam gente sobre a praça, mas nem a Isabel aparecia, nem aquele misterioso vulto de mulher se movia do recanto sombrio em que estava.

Paulo ficou desesperado. O seu desejo era sair dali, não esperar nem mais um momento; dizia, porém, consigo: - Mais um bonde, o último! - e ia esperando...

Convencendo-se, afinal, de que a Isabel não vinha, resolveu ir para a casa, mas, ao retirar-se, passou rente à senhora de preto; que esperava sempre, e encarou-a.

Ela perguntou-lhe, sorrindo:

- Faz favor de me dizer que horas são?

- Pois não, minha senhora! Passam vinte das nove.

- Decididamente não vem! Que maçada!

- Espera alguém, minha senhora?

- Que tem o senhor com isso?

- É que eu também esperava uma pessoa... e, quem sabe? talvez que a analogia das nossas situações pudesse estabelecer entre nós certa... certa... como direi?... certa simpatia...

- Não imagina como estou contrariada!

- Naturalmente porque gosta muito do homem que a faz esperar...?

- Como sabe o senhor que é um homem?

- Uma mulher não espera tanto tempo por outra...

- Isso é verdade...

E, depois de uma ligeira pausa, continuou assim o diálogo:

ELA - Sim, é por um homem que eu esperava, mas não pense o senhor que o ame loucamente. O que ele hoje me fez, varreu-o cá de dentro!

ELE - O mesmo digo da mulher que me pôs aqui de plantão! Era a nossa primeira entrevista... Foi melhor assim!

ELA - Ora!, amanhã ela conta-lhe quatro caraminholas, e o senhor desculpa-a...

ELE - Está enganada! Não quero vê-la!

ELA - Na realidade, temos ambos razão de estar queixosos...

ELE - Se nos vingássemos, eu dela e a senhora dele?

ELA - Como?

ELE - Se eu tomasse o lugar dele e a senhora o dela?

ELA - Que diria o senhor de mim?

ELE - Diria: "É uma mulher de espírito, que sabe vingar-se!" A senhora não me conhece, mas...

ELA - E se eu o conhecesse, Paulo?

ELE - Conhece-me?

ELA - Pelo menos de fotografia. Foi a Isabel que me mostrou.

ELE - A Isabel?!, conhece-a?

ELA - Trabalhamos juntas no mesmo atelier de costuras, e somos amigas... íntimas.

ELE - Ah!...

ELA - Ela falou-me do senhor... mostrou-me o retrato... disse-me que o achava feio... Eu, pelo contrário, achei-o...

ELE - Bonito?

ELA - Pelo menos simpático.

ELE - Muito obrigado.

ELA - Não há de que.

ELA - Hoje ela disse que o senhor estaria aqui à sua espera às oito horas... mas que o deixaria esperar em vão, para desenganá-lo. Fiquei com muita pena do senhor e disse comigo: "Como pode esta mulher enganar assim a um moço tão simpático?" Resolvi, então, um pouco por comodidade e... um pouco por simpatia... verificar se o senhor tinha vindo... Quando o vi interrogando com os olhos ansiosamente os bondes que chegavam, tive ímpetos de preveni-lo de que ela não vinha, mas não me atrevi.

ELE - Então a senhora não estava à espera de ninguém?

ELA - Não, vim simplesmente vê-lo... e vingá-lo. Que quer? Tenho um coração tão mole. .
.......................................................

Uma hora depois, estavam ambos no doce ninho de Icaraí.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

Nenhum comentário: