Era à tardinha. O sol morria no horizonte, enquanto as sombras se alongavam na terra. Um sabiá cantava tão lindo que até as laranjeiras pareciam absortas à escuta.
O urubu contorce-se de inveja e queixa-se:
– Mal abre o bico esse passarinho e o mundo se enleva. Eu, entretanto, sou um espantalho de que todos fogem com repugnância... Se ele chega, tudo se alegra, mas se eu me aproximo, todos recuam... Ele, dizem, traz felicidade, mas eu, mau agouro... A natureza foi injusta e cruel comigo. Mas está em mim corrigir a natureza; mato-o, e desse modo me livro da raiva que me provocam seus gorjeios.
Pensando assim, aproximou-se do sabiá, que ao vê-lo armou as asas para a fuga.
– Não tenha medo, amigo! Venho para mais perto a fim de melhor gozar as delícias do canto. Julga que por ser urubu não dou valor às obras-primas da arte? Vamos lá, cante! Cante ao pé de mim aquela melodia com que há pouco você extasiava a natureza.
O ingênuo sabiá deu crédito àqueles mentirosos grasnos e permitiu que dele se aproximasse o traiçoeiro urubu. Mas este, logo que o pilhou ao alcance, deu-lhe tamanha bicada que o fez cair moribundo.
Arquejante, com os olhos já envidrados, geme o passarinho:
– Que mal eu fiz para merecer tanta ferocidade?
– Que mal fez? É boa! Cantou!... Cantou divinamente bem, como nunca urubu nenhum há de cantar. Ter talento: eis o grande crime!...
………………………
A inveja não admite o mérito.
= = = = = = = = = = =
Dona Benta suspirou e disse:
– Está aqui outra fábula muito dolorosa, meus filhos. Põe em foco a inveja – o sentimento pior que existe. A maior parte das desgraças do mundo vem da inveja, e creio que não há sentimento mais generalizado. A inveja não admite o mérito – e difama, calunia, procura destruir a criatura invejada.
O urubu contorce-se de inveja e queixa-se:
– Mal abre o bico esse passarinho e o mundo se enleva. Eu, entretanto, sou um espantalho de que todos fogem com repugnância... Se ele chega, tudo se alegra, mas se eu me aproximo, todos recuam... Ele, dizem, traz felicidade, mas eu, mau agouro... A natureza foi injusta e cruel comigo. Mas está em mim corrigir a natureza; mato-o, e desse modo me livro da raiva que me provocam seus gorjeios.
Pensando assim, aproximou-se do sabiá, que ao vê-lo armou as asas para a fuga.
– Não tenha medo, amigo! Venho para mais perto a fim de melhor gozar as delícias do canto. Julga que por ser urubu não dou valor às obras-primas da arte? Vamos lá, cante! Cante ao pé de mim aquela melodia com que há pouco você extasiava a natureza.
O ingênuo sabiá deu crédito àqueles mentirosos grasnos e permitiu que dele se aproximasse o traiçoeiro urubu. Mas este, logo que o pilhou ao alcance, deu-lhe tamanha bicada que o fez cair moribundo.
Arquejante, com os olhos já envidrados, geme o passarinho:
– Que mal eu fiz para merecer tanta ferocidade?
– Que mal fez? É boa! Cantou!... Cantou divinamente bem, como nunca urubu nenhum há de cantar. Ter talento: eis o grande crime!...
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A inveja não admite o mérito.
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Dona Benta suspirou e disse:
– Está aqui outra fábula muito dolorosa, meus filhos. Põe em foco a inveja – o sentimento pior que existe. A maior parte das desgraças do mundo vem da inveja, e creio que não há sentimento mais generalizado. A inveja não admite o mérito – e difama, calunia, procura destruir a criatura invejada.
Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas. Publicado em 1922.
Monteiro Lobato. Fábulas. Publicado em 1922.
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