sexta-feira, 30 de abril de 2021

Rita Mourão (Poemas Escolhidos) 4

A VIDA E SEUS MISTÉRIOS

 
Curvada sobres minhas indagações, caminho.
Estou, mas não sei se estarei.
Nasci manchada de sangue
e as chagas do ontem ainda permanecem.
Há uma sentença de morte
sem que eu possa me defender.
Sibila no ar o grito rouco do carrasco invisível, mas cruel!
Sinto em meu corpo as dores do parto e da partida.
A estrada é só minha e o fim é meu fim.
E a vida, senhora de si e das horas me segue.
Com  os olhos de fera faminta.
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FINAL ABERTO
 
Sou um texto vivo repleto de hiatos, vírgulas e reticências.
Procuro interpretar-me e sem  respostas  me vejo refém do silêncio.
 Questiono-me
 e  aceito o desafio  de um final  aberto.
Fecho-me sem epílogo, sem garantia do amanhã.
Com o olhar de uma deusa pagã a vida tremula seus guizos.
E, para não morrer de angústia, POETIZO!
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INTROSPECÇÃO
 
Gosto de me olhar por dentro,
me  silenciar.
O silêncio me rende poesia.
No meu universo,
tenho   gosto de misturar  em minhas fantasias
as  pedras e ao sopro do vento,
segredos   da minha  cura interior.
O vento e as pedras me trazem  melodias
de outros tempos!
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MEU PASSADO

Meu passado?
Um chalé colorido com janelas de esperança
que  mostravam um horizonte acenando sonhos.
O  tempo  galopou  no dorso dos adeuses
e  me levou a outros horizontes.
 O chalé   perdeu a cor, as janelas se fecharam
e  os sonhos  se cristalizaram na memória.
O tempo  passou, sem respeitar sentimentos.
E eu sobre o que me resta, vou recriando  a vida.
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NÃO ME ROUBES DE MIM
 
Não me roubes os sonhos.
Quero que sejas a soma das minhas conquistas,
a âncora dos ideais que me levam ao mar
onde   sufoco  minhas carências de ti.
Não me leves do que sou,  não  me roubes a esperança.
Completa-me.
Enche-me da tua presença e serei uma enormidade.
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PREFERÊNCIAS

Passei minha infância nos arredores
de vastos campos e matas.
Por ter sido assim,
tenho um olhar contemplativo.
Sempre me transmudo
diante de um cenário verde.
Combino melhor com árvores,
pássaros e formigas,  isso eu sei ser e espiar.
Gosto de ouvir o gorjeio
das árvores que viram pássaros
para alegrar minhas carências.
E, para saciar a sede das ausências,
bebo copos de luares.
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UM JEITO DE AMAR
 
Chegaste  sem  aviso e cheio de improvisos
derrubaste  minha resistência.           
Não me disseste a palavra amor,
mas  exercitaste o verbo e o verbo era tudo.
Ofereceste-me  água e sal, rituais de completude.
Mataste a tua e a minha sede
e fizeste do amor um substantivo concreto.

Fonte:
Versos (Di) Versos. Disponível no site de Rita Mourão.

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