quinta-feira, 15 de abril de 2021

Sammis Reachers (Andrezinho e o batismo de fogo)


Nota do blog:

Sammis Reachers, que adotou o pseudônimo de Ron Letta neste livro, conta sobre histórias divertidas da vida dos Rodoviários, profissão que o autor exerceu em Niterói. Veja mais sobre Sammis após a história.

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André foi por muitos anos cobrador na Ingá, linha 21 (Fonseca x Centro). Trabalhou com o velho Godá, de saudosa memória, Godá que por si só daria um livro como este, de tão grande trapalhão que era. Mas nosso herói de hoje é o André.

Com o passar dos anos e o acúmulo de filhos, o pequeno André passou a considerar que o salário de cobrador estava pequeno para alimentar a tropa. Resolveu então seguir o único caminho que lhe parecia viável: partir para a manobra (escolinha) no objetivo de tornar-se um motorista.

Meses se passaram, e André lá, esforçando-se ao máximo. Por fim, chegou o grande dia de André ter sua "estreia" como motorista. Seria no sereno (horário da madrugada), e sem cobrador: naquela época a empresa havia adquirido os primeiros micro-ônibus. André, como seria natural, estava bastante nervoso. Tudo era motivo de preocupação: o primeiro dia ao volante, o fato de estar sozinho, sem a ajuda de um cobrador, e ainda por cima o horário, em que ele nunca trabalhara: a madrugada. Mas não tinha jeito; eram muitas bocas pra alimentar e todos contavam com ele. E lá foi André pro seu batismo.

Mas todos que já foram ou são rodoviários sabem de uma coisa, que aprenderam provavelmente bem rápido: a rua é o lugar da incerteza. Tudo é possível, e o rodoviário logo aprende que "se está na chuva, é pra se molhar".

Logo em sua segunda viagem, linha 23 (Teixeira de Freitas x Terminal), sai André do terminal rodoviário João Goulart, com o ônibus cheio, em lotação de bancos. Chegando defronte à rodoviária de Niterói, algumas centenas de metros após o terminal, o escaldado André nota uma estranha movimentação próxima ao ponto da rodoviária e a entrada da rua Barão de Amazonas, que fica ao lado da mesma. Para quem não conhece Niterói, fique sabendo: aquela região por trás da rodoviária e ruas adjacentes torna-se, durante a madrugada, uma imensa zona de baixo meretrício, de prostituição.

Ao aproximar-se mais daquele imenso furdunço, André não percebeu que o sinal fechara-se, entretido que estava observando o que ele entendeu serem as "primas". Por sinal, eram muitas delas. André freou em cima da faixa, de forma um pouco brusca. Imediatamente, as meninas (e "meninos" também, pois havia travestis naquela manada) avançaram sobre o veículo.

- Abre aí, seu motorista, me dá uma carona aí!

- Ei gostoso, olha pra mim - disse outra, levantando o curto vestido e mostrando suas "partes".

Ao mesmo tempo, outras foram para a frente do ônibus e começaram a dançar e rebolar. André já estava tenso, e tudo piorou quando alguns dos passageiros, nervosos com aquela bagunça na rua, passaram a incitá-lo:

- Como é que é, seu motorista! Eu tô com minha família aqui!

E um outro berrou:

- Avança o sinal, amigo, vamos sair daqui, olha essa bagunça aí!

O falatório era geral e nada do sinal abrir. Do lado de fora, as primas e travecos só faltavam voar de tão fogosas, rebolando e mostrando suas partes, cismadas com a cara do sofrido André. E nosso herói, encurralado entre a zona de fora e a gritaria de dentro, não sabia o que fazer. Não podia avançar o sinal, não no seu primeiro dia ao volante. Se causasse um acidente, por menor que fosse, estaria na rua.

Aquele breve minuto em que o sinal demorou para reabrir foi o minuto mais longo da vida do pequeno André, que suava frio...

Quando finalmente o sinal abriu, foi com imenso alívio que André conseguiu mover o veículo dali. Respirando fundo, acreditou que o pesadelo ficara somente naquilo, mas estava enganado: Um  dos passageiros ainda teve o desfrute de ligar para a garagem e falar que o bom André "estava dando carona para piranhas e zoando com elas num ônibus cheio de famílias".

No dia seguinte André estava "pegado" (suspenso do trabalho), LOGO EM SEU PRIMEIRO DIA DE MOTORISTA, e teve que ir na garagem da empresa prestar esclarecimentos.

É o que chamamos de batismo de fogo!!!
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SOBRE O AUTOR
Sammis Reachers nasceu em 1978, em Niterói, mas desde sempre morador de São Gonçalo, ambos municípios fluminenses. É poeta, escritor e editor. Autor de nove livros de poesia e três de contos/crônicas, organizador de mais de quarenta antologias e professor de Geografia no tempo que lhe resta - ou vice-versa.

Como autor, publicou:
POESIA
Uma Abertura na Noite (2006).
A Blindagem Azul (2007).
CONTÉM: ARMAS PESADAS (2012).
Poemas da Guerra de Inverno (2012, 2021).
Deus Amanhecer (2013).
PULSÁTIL - Poemas canhestros & prosas ambidestras (2014).
GRÃNADAS (2015).
Poemas de Amor em Trânsito (2018).
Cartas & Retornos (2021).
 
CONTOS/CRÔNICAS
O Pequeno Livro dos Mortos (Letras e Versos, 2015).
RODORISOS - Histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários (2017, 2021).
Renato Cascão e Samy Maluco - Uma dupla do balacobaco (2021).

Leia mais textos do autor (e baixe alguns e-books gratuitos) em:
O Poema Sem Fim - www.opoemasemfim.blogspot.com
Azul Caudal - www.azulcaudal.blogspot.com
Jornal Dafa'- www.jornaldaki.com.br/blog/categorÍes/sammis-reachers
Recanto das Letras: www.recantodasletras.com.br/autores/reachers
Diversas,    das    antologias    gratuitas    que    organizou:
www.linktr.ee/sammisreachers


Fonte:
Ron Letta. Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. 
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

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