quinta-feira, 8 de abril de 2021

Mia Couto (Conversas em camponês)


- Estamos aqui sentados debaixo da árvore sagrada do seu quintal. Pode-me dizer qual o nome dessa árvore?

- Porquê?

- Porque gosto de conhecer os nomes das árvores.

- O senhor devia saber é o nome que a árvore lhe dá a si.

- Depois de tanta guerra: como vos sobreviveu a esperança?

- Mastigámo-la.

- E que aconteceu com as casas?

- As casas foram fumadas pela terra. Com tanta maldição só faltava a cobra ser canhota. Agora só me entristece a recordação. A lembrança do cajueiro me faz crescer cheiros nos olhos.

- E estes campos tradicionalmente vossos, foram-vos retirados?

- Sim. Nós ficamos só com o descampado. Agora somos descamponeses.

- E bichos, ainda há aqui bichos?

- Agora, aqui só há inorganismos. Só mais adiante, no mato é que abundam.

- Nós ainda ontem vimos flamingos...

- Esses se inflamam no crepúsculo: são os inflamingos.

- E outras aves da região, pode falar delas?

- Antes de haver deserto, a avestruz voava de galho em flor. Se chamava de arvorestruz. Mas há outras que necessitam de revisão. Exemplo do beija-flor. Beija-flor é nome que aqui deve ser consertado. A flor é que levaria título de beija-pássaro.

- Mas outros animais não há?

A bicharia vai acabando. O mabeco, dito cão-selvagem, vai sofrendo as humanas selvagerias. Acabada a lição, ele saberá não existir.

- Parece desiludido com os homens.

- O vaticínio da toupeira é que tem razão. Um dia, os bichos restantes lhe farão companhia em suas subterraneidades. Eu acredito é na sabedoria do que não existe. Afinal, nem tudo que tem luz é besouro. É o caso do pirilampo. Pirilampo morre? ou funde? Suas réstias mortais aumentam o escuro. Limpo é o pássaro que não evacua no céu.

- Acredita em ensinamento de bichos?

- Todo caranguejo é um engenheiro de buracos. Ele sabe tudo de nada. Há outros, demais. O mais idoso é o escaravelhinho. Mas, de todos, quem anda de janela é o cágado.

- Você não sofre um certo isolamento?

- Sou homem abastecido de solidões. Uns me chamam bicho do mato. Em vez de me diminuir, eu me incho com tal distinção. Como antes disse, a gente aprende do bicho a não desperdiçar. Como a vespa que do cuspe faz a casa.

- Mas a sua mulher lhe faz companhia...

- Ela é a minha patroa. Vez em quando a gente dedilha umas conversas.

– Uma última mensagem.

- Não sei. Feliz é a vaca que não pressente que, um dia, vai ser sapato.

Nenhum comentário: