quinta-feira, 1 de abril de 2021

Caldeirão Poético XLII

Alana Girão de Alencar

Fortaleza/CE

A... CALMA


Não temas o caminho dos acasos,
Nem sejas fardo nu à vida ingrata.
Vês que as sombras da noite são mágoas
E as noras? Revelam-se em convulsões.

Acalma... Não te lances à loucura
nem veles o afã da partida adversa.
O silêncio há de dormir são e exausto,
feito rei desgarrado de seu brio.

Vem... qual rio corrente de estiagem
e paira sobre a minha espera crua
teu leito delirante e pavoroso,

Vem... vazante e límpido, foz, menino...
não temas a ameaça das curvas
...e deixa vir o som que tanto assusta
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Ana Maria Furtado Néo
Fortaleza/CE

ANTISSONETO


É bem difícil compor um soneto
Tenho aversão a palavras contadas
Gosto mesmo é dessa palavra solta
Jogadas em si em busca de espaços

Palavras muito livres que se deixam
Cair em precipício e até em si
E voltam por cima ecoando vontades
Pois a palavra se deixa dizer

Não, de fato nunca há má palavra
Mesmo quando elas se encontram à toa
Não ouso usá-las ao meu bel prazer

Peço perdão ao ilustre Camões
Por que eu, como o poeta de Barros,
Não curto palavras acostumadas,
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Josenir Lacerda
Crato/CE

ANSEIO


Quem me dera os adereços mais sutis
Para enfeitar meus versejos acanhados
Bastaria, perfumes primaveris
Ou os alcantis de um agreste abandonado.

Quem me dera o farfalhar de antigas sedas
Melodias de cantos gregorianos
O frescor mais ameno das alamedas
Abrigando sons e cores dos ciganos.

Da musa, verto o carinho e os afagos
O cantar inebriante das sereias
O encanto lúdico da arte dos magos

O uivar dos ventos das praias nas areias
Reflexos da lua no espelhar dos lagos
Calmaria logo após as marés cheias.
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J. Udine Vasconcelos
Fortaleza/CE

A MORTE DO VELHO MONGE


Em seu claustro, rezava o velho monge.
Punha os olhos cansados no horizonte
Como se contemplasse a face, ao longe,
Do Sacratíssimo Autor da áurea Fonte.

Por longas horas, ele meditava,
Terço à mão, debulhava o seu Oficio,
Porque, também, à Mãe de Deus, rezava,
Nessa sua clausura e sacrifício.

Era final de tarde em arrebol.
Em sangue se banhava o ardente sol,
Ao som do repicar dos tristes sinos.

O velho monge, em prece à Ave Maria,
Tombou ao chão, e assim se despedia
Do orbe, como o sol, em raios divinos!...
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Júlio César Martins Soares
Fortaleza/CE

A MULHER NASCE DO SONHO


Não, a mulher não nasce da costela.
Brota do desejo da noite vaga.
Onde já se viu, pois, coisa tão bela,
Principiar naquilo que finda, estraga?

Não vem da Odisseia de Homero
Nem mesmo da Eneida de Virgílio
Vem antes, primeiro daquilo que quero
Com o propósito que eu deliro.

Vem antes do vento, da branda bruma
Muito longe da espuma de Afrodite.
D'um imenso sorriso risonho

Não nasce a mulher daquilo que em suma
Como num lindo reino que a conquiste
Sim, eu sei, a mulher nasce do sonho.

Fonte:
Luciano Dídimo (org.). 100 sonetos de 100 poetas.
Fortaleza/CE: Expressão Gráfica e Ed., 2019.

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