quinta-feira, 1 de abril de 2021

Dicas para Escritores (Dicas para pontuação de diálogos)

 
arte de Albert Anker (Suiça, 1831 1910)
Texto de Marcelo Spalding


Todo o apaixonado pela literatura, seja leitor ou escritor, sabe da importância dos diálogos em um texto. Eles, na medida certa, têm o poder de mostrar os personagens e a história, sem que seja preciso contar sobre eles. Além disso, o diálogo dá movimento e deixa o texto mais interessante para o leitor. Porém, quando começamos a inseri-lo nos nossos textos, algumas dúvidas aparecem, principalmente quanto à pontuação.

É sobre isso que vamos falar neste artigo, sobre dicas para pontuação de diálogos, um assunto fundamental para os escritores que desejam fazer dos diálogos poderosos aliados para os seus textos.

Antes de tudo, a pontuação existe nas línguas para tornar os textos mais claros. Portanto, utilize-a para facilitar a compreensão do leitor. Mesmo se a opção for mudar o ritmo do texto a partir da pontuação, como no fluxo de consciência, em que pontos e vírgulas são suprimidos. Confira as dicas:

1. Uma das primeiras (e poucas) lições de escrita criativa que temos ainda nos primeiros anos de escola é: para reproduzir a fala da personagem, coloque dois pontos e travessão;

2. A cada vez que trocar a personagem que está falando deve haver um novo parágrafo. Se houver dois parágrafos diferentes com a fala de uma mesma personagem, o leitor pode se confundir;

3. Use intervenções do narrador apenas quando for essencial, para que o leitor não se perca sobre quem está falando;

4. Jamais seja redundante. Se por exemplo o leitor consegue entender a tristeza da personagem pela sua fala, não use o narrador para dizer depois: “ela respondeu, tristonha”;

5. Em textos ou cenas com poucas falas, para evitar a quebra de ritmo, é indicado o uso das aspas ou mesmo o discurso indireto. Essa escolha depende também do quão o seu narrador interfere na história, se é um narrador câmera, onisciente etc.;

6. A pontuação de uma frase não tem a ver com pausas na fala, ela justifica-se pela sintaxe, pelo ordenamento dos termos na oração. Por isso, cuide para não usar vírgulas onde não pode haver vírgulas (como na separação entre sujeito e predicado), pois isso atrapalha mais o texto do que a falta de pontuação;

7. Evite o excesso de reticências e pontos de exclamação. Reticências use apenas em casos de interrupção de uma fala, e o ponto de exclamação guarde para momentos em que ele realmente seja necessário. Quando usados demais, tais sinais de pontuação perdem sua força;

8. Para que o leitor não se perca no diálogo, além das intervenções do narrador, você pode usar o vocativo e expressões ou termos que só uma das personagens diria, o que deixa claro quem está falando.

Essas são as regras básicas de pontuação de diálogos, mas isso não significa que não existam outras possibilidades. Certa vez convidamos uma turma de pós-graduação a fazer uma análise da pontuação dos diálogos. Cada aluno trouxe um livro de ficção para analisar qual era o método de marcação dos diálogos. A maioria deles era marcado com o travessão, mas muitos usavam as aspas, que é uma tradição na literatura em língua inglesa, outros prescindiam dessas marcas e outro trouxe Saramago, que criou uma forma particular de marcar seus diálogos.

Vejamos exemplos dessas possibilidades:

Exemplo 1. Tradicional travessão separando a fala da personagem da voz do narrador:

João finalmente encontrou a criança e perguntou, muito bravo:

— Onde você estava?

— Eu estava conversando com a Bia — respondeu apontando para a menina.

— Nunca mais faça isso.

— Tá bom, pai. — O menino voltou-se para a colega e piscou o olho esquerdo.

Neste caso, procure não usar ponto antes do travessão se o que vier depois for um verbo dicendi, como: “disse”, “sussurrou”, etc., além de seguir o texto com letra minúscula. Já se o que vier depois do travessão for uma cena, coloque ponto antes do travessão e inicie com letra maiúscula (como em “O menino volta-se”).

Exemplo 2. Marcação do diálogo pelo uso de aspas:

João finalmente encontrou a criança e perguntou, muito bravo: “Onde você estava?”.

“Eu estava conversando com a Bia”, respondeu apontando para a menina.

“Nunca mais faça isso”.

“Tá bom, pai”. O menino voltou-se para a colega e piscou o olho esquerdo.
 
A marcação do diálogo pelo uso de aspas é muito semelhante à marcação com o uso do travessão. No Brasil, porém, o mais comum é usar aspas para expressar o pensamento da personagem.
Uma exceção é quando há uma fala solta em um parágrafo do narrador, sem que essa fala desencadeie um diálogo. Nesse caso, o mais indicado é mesmo o uso de aspas ou mesmo não usar nem as aspas, como no discurso indireto livre.


Exemplo 3. Sem marcas de pontuação no diálogo:

João finalmente encontrou a criança e perguntou, muito bravo:

Onde você estava?

Eu estava conversando com a Bia, respondeu apontando para a menina.

Nunca mais faça isso.

Tá bom, pai. O menino voltou-se para a colega e piscou o olho esquerdo.

Neste caso não temos marcas de pontuação no diálogo, o leitor terá que perceber qual personagem está falando pelo contexto e pelas trocas de parágrafos. Esse estilo de pontuação é usado em contos como o célebre Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, e livros como Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera.

Exemplo 4. Estilo Saramago – sem mudar de parágrafo:

João finalmente encontrou a criança e perguntou, muito bravo, Onde você estava? Eu estava conversando com a Bia, respondeu apontando para a menina. Nunca mais faça isso. Tá bom, pai, respondeu o menino, que se voltou rapidamente para a colega e piscou o olho esquerdo.
 
Este é o estilo de Saramago, que pontua o diálogo apenas usando uma vírgula e letra maiúscula no começo da fala da personagem, sem mudar o parágrafo. Isso faz com que alguns parágrafos dos seus textos fiquem enormes, mas combina com seu estilo de narrador intruso, que alterna o tempo todo entre narração e digressão/discurso. Há quem diga que seus livros são ótimos por causa disso e outros que seus livros são ótimos apesar disso.

Fonte:
Escrita Criativa

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