quarta-feira, 28 de abril de 2021

Laurindo Rabelo (Poemas Escolhidos) V

SUSPIROS E SAUDADES


Depois de tantas perdas só restou-me
Na soledade,
Em que deixou-me a dor, para consolo
Roxa saudade.

Esta flor, tão estéril nos prazeres,
Quando em retiro
Quase sempre do seio magoado
Brota um suspiro.

Achava estes suspiros e saudades
Encantadores,
Embora fossem flores da tristeza,
Sempre eram flores.

Demais, quem tem das ditas deste mundo
Chegado ao termo,
Quem traz de ingratidões e desenganos
O peito enfermo;

Quem tem com a flor que às almas venturosas
Do prazer fala?
Que ao ver-lhe o coração trajando luto
Traja de gala?

A tristeza que tendes, minhas flores,
É vosso encanto.
E como éreis formosas orvalhadas
Pelo meu pranto!

Mas secastes também?! Faltou-vos água?
Demais tivestes.
Fogo? Desde nascidas sempre em chamas
De amor vivestes.

Secastes? Com razão, que destas flores
Certo não é
Verdadeiro alimento, água nem fogo
Faltando a fé.

Vivem com fogo e água, se dos prados
Nascem no chão;
Mas não se flores d’alma dentro d’alma
Nascendo vão.

Quando morta a f’licidade,
A fé expira também!
Saudades de que se nutrem?
Os suspiros que alvo têm?

Morta a fé, vai-se a esperança,
Como pois viver pudera
Saudade que não tem crença,
Saudade que desespera?

Onde as graças do passado,
Se altivo gênio sanhudo
O ceticismo nos brada,
Foi mentira, engano tudo?

Em nada creio do mundo:
Ludibrio da desventura
A felicidade me acena,
Só de um ponto — a sepultura.

Morreram minhas saudades,
E meus suspiros calados
Dentro d’alma pouco a pouco
Vão morrendo sufocados.
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À TERRA NATAL *

Adeus!... Vou procurar talvez um túmulo
Longe do teu regaço.
Nunca me foste mãe, mas sou teu filho,
Concede-me um abraço!

Abençoa-me! — Parto; dá-me a bênção!
Que ao filho desgraçado,
Mesmo o ser infeliz dá mais direitos
A ser abençoado.

És rica, eu nada tenho; mas ao nada
Me soube acostumar;
Dispenso os teus tesouros, mas a bênção
Não posso dispensar.

Adoro-a, quero-a, sim; porque custou-me
Aspérrimo desgosto,
Torturas inauditas, conservar-lhe
Sem manchas este rosto.

Quero de filial doce ventura
Encher meu coração,
Revendo nela, filho abençoado,
A minha filiação.

Nunca me foste mãe pelos carinhos;
Ao menos um sinal
Dá-me, dá-me de mãe, que sou teu filho,
Na bênção maternal.

Adeus!... Perdoa se me queixo; as queixas
Que exalo em minha dor
Ofender-te não devem, que são filhas
De meu ardente amor.

Esses braços ao filho que se aparta
Estende por quem és,
Que o filho por teus braços abraçado
Abraçará teus pés!...
–––––-
*Escrita quando o poeta partiu para a Bahia para concluir seu curso de Medicina.
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ÚLTIMO CANTO DO CISNE

Quando eu morrer, não chorem minha morte,
Entreguem meu corpo à sepultura;
Pobre, sem pompas, sejam-lhe a mortalha
Os andrajos que deu-me a desventura.

Não mintam ao sepulcro apresentando
Um rico funeral d’aspecto nobre:
Como agora a zombar me dizem vivo,
Digam-me também morto — aí vai um pobre!

De amigos hipócritas não quero
Públicas provas de afeição fingida;
Deixem-me morto só, como deixaram-me
Lutar contra a má sorte toda a vida.

Outros prantos não quero, que não sejam
Esse pranto de fel amargurado
De minha companheira de infortúnios,
Que me adora apesar de desgraçado.

O pranto, açucena de minh’alma,
Do coração sincero, d’alma sã,
De um anjo que também sente meus males,
De uma virgem que adoro como irmã.

Tenho um jovem amigo, também quero
Que junte em minha Essa os prantos seus
Aos de um pobre ancião que perfilou-me
Quando a filha entregou-me aos pés de Deus

Dos meus todos eu sei que terei preces,
Saudades, lágrimas também;
Que não tenho a lembrança de ofendê-los
E sei quanta amizade eles me têm.

E tranquilo, meu Deus, a vós me entrego,
Pecador de mil culpas carregado:
Mas os prantos dos meus perdão vos pedem,
E o muito que também tenho chorado.

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.

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