(por Robert Hamill Nassau)
Personagens
Mbwa (cachorro) e sua mãe
Um homem chamado Njambo e sua filha Eyâle
PREFÁCIO
Este conto se passa em tempos pré-históricos, quando todos os animais, inclusive os de organismos inferiores, podiam se unir a homens, até mesmo em casamento. Mbwa era o animal, tanto em forma como em linguagem, hoje chamado de cachorro, mas que também tinha a capacidade de comunicar-se como um humano. Esta é a história de como esse ancestral dos cães deixou a nação dos animais. Embora cachorros vivam junto aos seres humanos hoje em dia, não têm mais a capacidade que seus ancestrais possuíam, de falar como gente. Só o que conseguem dizer é “Au-au!”.
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O cachorro Mbwa e sua mãe eram os únicos habitantes de sua aldeia.
Mbwa era capaz de falar tanto com animais como com humanos.
— Você já é adulto e forte — disse um dia sua mãe. — Está na hora de se casar. Vá e peça Eyâle, filha de Njambo, em casamento.
— Irei amanhã — respondeu o cachorro.
O dia escureceu e foram dormir. Logo a madrugada veio e um novo dia começava a despontar.
— Chegou a hora de eu partir. — disse Mbwa.
Amanhecia quando ele começou sua jornada. Percorreu cerca de treze quilômetros e chegou ao seu destino antes do meio-dia. Foi à casa de Njambo, pai de Eyâle. Lá, foi cumprimentado pelo anfitrião e sua esposa.
— Olá, Mbwa!
— Olá!
— Qual a razão de sua visita, meu amigo? — perguntou Njambo.
— Vim para me casar com sua filha Eyâle — respondeu o cão em linguagem humana.
Njambo consentiu e a mãe da garota também ficou satisfeita com a união. Chamaram a pretendida para saber o que ela pensava da proposta.
— Aceito! De todo o meu coração! — disse.
A jovem era bela tanto de rosto como de corpo. E todos estavam de acordo quanto ao casamento.
Ao cair da noite reuniram-se para jantar. Sem saber o motivo, o cachorro não conseguiu comer.
O dia escureceu e foram dormir. Mbwa costumava acordar sempre uma hora antes do amanhecer, mas naquele dia dormiu até mais tarde.
A mãe da noiva disse à sua filha:
— Prepare um pouco de água para que seu noivo lave o rosto quando acordar. Vou à plantação que fica na floresta buscar comida para ele, já que ainda não comeu nada desde que chegou.
E acrescentou:
— Peça aos criados que matem uma galinha para o almoço. E você, triture sementes de cabaça e faça um pudim de sobremesa.
Entregou o prato com as sementes para Eyâle e saiu para a floresta. Njambo a acompanhou, pois também tinha seus afazeres. A jovem sentou-se com as sementes e começou a descascá-las. Jogava os miolos limpos no chão e colocava as cascas em um prato.
Mbwa acordou pouco tempo depois de os donos da casa terem saído. Levantou-se e foi procurar sua noiva. Ficou ao lado dela, observando-a descascar as sementes. Em silêncio, notou que ela descartava o miolo, que era a parte boa, e guardava as cascas em um prato.
— Não é assim que se faz, mulher! — disse em linguagem humana. — Por que joga a parte boa no chão e guarda essas cascas inúteis?
Enquanto o cachorro falava, Eyâle subitamente caiu no chão. Estava morta. Mbwa curvou-se para tentar levantá-la, mas foi inútil. Já não havia o que fazer.
Pouco depois o pai e mãe da jovem retornaram de suas tarefas, encontraram a filha morta e gritaram:
— Mbwa! O que aconteceu?
— Não sei dizer. — respondeu em linguagem canina.
— Diga-nos o que houve! — insistiram os pais.
Mbwa então lhes falou na língua dos humanos:
— Você, mulher, foi à floresta enquanto eu dormia. E você, homem, também saiu, acompanhando sua esposa, antes que eu acordasse. Quando me levantei, encontrei minha noiva descascando sementes. Ela jogava os miolos limpos ao chão e guardava as cascas. Eu disse a ela que o que comemos são os grãos que ela estava descartando, e não as cascas. Enquanto ele deva essa explicação, os dois também caíram ao chão, mortos sem motivo aparente.
Quando as pessoas da cidade souberam do caso, disseram:
— O cachorro tem uma poção maligna para matar pessoas. Deve ser capturado e morto!
Mbwa rapidamente fugiu pela floresta e voltou para a aldeia onde vivia com sua mãe. Seu corpo estava cheio de cortes e arranhões causados pelos arbustos espinhosos que atravessara em sua fuga.
— Mbwa! O que aconteceu? Por que está assim tão esbaforido? E todo machucado! — exclamou sua mãe ao vê-lo.
— Não! Não vou contar! Não direi mais nada!
— Por favor, meu filho! Conte-me! — implorou sua mãe.
Finalmente Mbwa concordou e, usando a linguagem dos humanos, começou a explicar:
— Contarei o que houve, minha mãe. Njambo e sua esposa me aceitaram como genro, e Eyâle também gostou muito de mim. Enquanto eu dormia, o casal foi à floresta. Quando acordei, encontrei minha noiva descascando sementes de cabaça, só que ela jogava os grãos no chão e guardava as cascas. Então disse a ela que estava desperdiçando a parte boa da semente. E ela morreu de repente.
Enquanto falava com sua mãe, ela também caiu morta ao chão. As notícias de seu falecimento chegaram até a cidade do tio de Mbwa, e muitas pessoas vieram para o funeral.
— Mbwa! O que aconteceu? — perguntou seu tio.
O cachorro não respondeu. Apenas disse:
— Não!
Imploraram por uma explicação.
— Por favor, conte-nos o que houve.
— Não! Não falarei mais nada. — respondeu Mbwa.
Como insistiram muito, Mbwa concordou em falar com dois deles. Pediu que o restante ficasse onde estavam e observassem a conversa de longe. Então falou com os dois usando o mesmo idioma que usara com sua mãe. E da mesma forma, ambos caíram fulminados.
— Não! — exclamou Mbwa. — As pessoas morrem quando eu falo em linguagem humana!
— Sim, Mbwa. — concordaram os outros. — O idioma dos homens mata as pessoas. Não fale mais.
E Mbwa partiu para viver junto dos homens.
Fonte: Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.
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