sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Contos do Folclore Brasileiro (A rainha que saiu do mar)

(Folclore do Rio de Janeiro)
HOUVE UM REI QUE DESEJAVA se casar com a moça mais bonita que houvesse no seu reino. Já se tinham corrido todas as casas, e chamado todos os pais de família para apresentarem suas filhas, e nenhuma tinha agradado ao rei.

Fazia oito dias que tinha assentado praça um recruta abobado num batalhão, e neste dia tinham de ser apresentadas as filhas de um lavrador, que eram as únicas moças que o rei ainda não tinha visto, e neste dia tinham de ir à missa os batalhões.

Logo que entrou na igreja o batalhão em que tinha assentado praça o tal abobado, pôs-se este a chorar, o que vendo o comandante do batalhão lhe perguntou o que tinha. Respondeu ele que “nada sofria, mas que tendo visto aquela imagem (apontando para uma imagem muito formosa que havia na igreja) tinha ficado com saudades de sua irmã, que muito se parecia com aquela santa.”

Ficaram todos duvidosos e zombando do pobre soldado; mas chegando aquilo aos ouvidos do rei, este mandou chamar o rapaz e lhe indagou da verdade, ao que ele respondeu ser exato ter uma irmã muito formosa e parecida com a imagem que havia na igreja.

Perguntando o rei onde morava ela, respondeu: “Nas gargantas do Monte Escarpado, a dez mil léguas por terra e cinco mil por mar.”

O rei mandou logo preparar uma esquadra e enviar uma delegação ao pai daquela moça, pedindo-a em casamento. O recruta também foi com a comissão.

Logo que chegaram ao Monte Escarpado avistaram a moça na janela e ficaram todos embasbacados ao ver tanta beleza junta.

O almirante entregou ao pai da moça a carta do rei, e o velho enviou a sua filha. Chegando a esquadra na volta do Monte Escarpado, o mar era muito forte, e a gente saltou para terra, indo com a moça ter à casa de uma velha, que ali morava.

A velha, que era um desmancha prazeres, indagou para onde iam e de onde vinham, e sabendo de tudo convidou a moça para ir dar um passeio pela horta e lá atirou ela dentro de um poço.

Ora já sendo de noite, quando tiveram os da esquadra de embarcar não deram por falta da moça, porque a velha pôs em lugar dela a sua filha, que era um monstro de feia.

Quando os  navios largaram e se fizeram ao largo, a velha foi ao poço, tirou a moça para fora, cortou-lhe os cabelos, furou-lhe os olhos, e botou-a num caixão e atirou no mar.

Foi o caixão parar ao reino primeiro que os navios. Um pescador o achou e levou para casa, e julgando ter dinheiro, pôs-se a gabar-se, dizendo que tinha dinheiro para combater com o rei. Foi chamado o pescador e confessou ter achado um caixão cheio de dinheiro, foi um guarda do palácio para examinar o caso. Aberto o caixão deram com a moça dentro, ficando todos penalizados com aquilo por verem uma moça tão bonita com os olhos furados e os cabelos cortados.

Voltou o guarda para palácio, conduzindo a moça. Quando lá chegou, já tinha também chegado a comissão com a filha da velha. O almirante, muito triste, disse ao rei: “Não fui como vim; fui alegre e volto triste; mas me sujeito à pena que rei, meu senhor, me quiser dar.”

O rei respondeu: “Nada tenho a fazer, senão casar-me com esta feia mulher, que me chegou.” Houve o casamento, mas o rei se conservou sempre triste e vestido de luto.

Apresentando-se-lhe a moça dos olhos furados, ainda mais triste ficou o rei. Sendo ela reconhecida por seu irmão e pelos da comissão, mandou o rei buscar a velha em cuja casa estiveram de passagem.

A velha negou tudo e até desconheceu a sua própria filha. O rei reconhecendo que os traços da velha eram os mesmos da moça com quem se tinha casado, despediu esta e mandou furar os olhos da velha e cortar-lhe os cabelos.

Logo que isto fizeram, os olhos da moça, que foi achada no mar, tornaram a ficar perfeitos e cresceram-lhe os cabelos. Houve então o novo casamento com a rainha, que veio do mar, sendo nele jogada a velha.


Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Coleção Acervo Brasileiro vol. 3. Jundiaí/SP: Cadernos do Mundo Inteiro, 2018. Publicado originalmente em 1954. Disponível em Domínio Público.

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