quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 16: Isadora e Madame?

 Mesmo presa a uma situação indesejável, Isadora, sentia-se livre, enamorada. Sua alma, sua mente e seu coração tinham a máxima certeza de que a previsão da Vó Gorda sobre o amor que estava chegando em sua vida, estava certa. Queria dizer isso à querida benzedeira e comemorar a felicidade que estava a sentir junto da amiga. Estava a pé e apressou o passo rumo a Boitatá.

Enila estava a colher jasmins no jardim, para enfeitar a sala, enquanto Vó Gorda apanhava temperos em sua horta para o jantar de logo mais. As duas estavam a metros de distância, mas simultaneamente viram Isadora chegar sorridente e de braços abertos. Primeiro abraçou a amiga, e logo foi ao encontro da cozinheira.

- Vó...

- Não precisa dizer nada em palavras. Seus olhos me contam tudo. O amor aconteceu...

- Sim. A senhora estava certa. Por um lado estou muito feliz, por outro, não sei o que fazer. Estou noiva de um homem estranho ao meu modo de ver e sentir o mundo. Quando o vejo, sinto vontade de fugir para algum lugar qualquer, desde que bem distante daqui. Se meu destino está preso a esta pessoa, por que conheci Genuíno?

- Ah, guria, não pode entender tudo de uma vez só.

- Mas preciso entender. Caso contrário, como poderei encontrar a porta de saída desse inferno?

- “Fia”, queria te entregar essa chave em mãos, mas a missão de encontrar a chave e a porta de saída é tua. Se eu fizer isso por ti, o rumo da tua vida pode seguir por caminhos diferentes. Confia na vida. tenha fé. Agora a “véia” vai pra cozinha lavar esses temperos, preparar um prato bem gostoso. Se quiser, fica pra comer com a gente. Enila vai gostar.  

- O que estão cochichando? Não confia mais teus segredos a mim? – perguntou Enila em tom de brincadeira.

- Não se trata de segredos, quer dizer, sim, mas vocês podem saber.

Na sala, Enila ajeita as flores no vaso da mesa de centro e com atenção, ouve as confidências da amiga. Depois da explanação detalhada sobre a aventura amorosa, Isadora recordou algo sobre um tal livro, cujo conteúdo indecente levou o autor a prestar contas com a justiça francesa.

- É um livro que minha mãe e minha tia leram escondidas na biblioteca dos meus avós. Trata-se da história de uma mulher chamada Emma que traía o marido. Algo considerado imperdoável, indecente. Estou noiva e, em vez de beijar o noivo, beijei outro homem. Se o povo descobrir, por certo serei apedrejada, como deve ter sido a personagem.

- Querida, tu não és uma mulher casada. E esquece o que pode ter nesse livro e o que houve com o autor. Não fica impressionada. Agiste pelo impulso do amor. Foste corajosa, não indecente.

- Também penso assim, mas as consequências desse amor são imprevisíveis. Como será depois que eu estiver casada com o Fábio?

- Saberás o que fazer. E, independente da decisão que tomares, eu estarei ao teu lado. No que depender de mim, nunca estarás sozinha.

Entre sorrisos e lágrimas, Isadora e Enila trocaram um longo e apertado abraço.

- A amizade é uma flor divina que nasce dentro de quem tem o coração puro. Desabrocha por meio de sorrisos e alegra, perfuma a vida de quem tem a lealdade como primeira regra da vida – disse baixinho Vó Gorda ao entrar na sala segurando uma bandeja com chás, cafés, bolos, docinhos e biscoitos.  

Após se fartar com os quitutes, Isadora voltou para casa, indagou da mãe onde encontrar o tal livro indecente que ela havia lido quando menina. Dona Ana disse que o livro estava escondido junto de outras obras na dispensa da cozinha.

Que absurdo: livros escondidos na dispensa. Pensou Isadora, um tanto irritada.

Ao pegá-lo, observou a capa e o título: Madame Bovary.

- Muito prazer! - disse ela com um sorrisinho de canto nos lábios.

Debruçada sobre o travesseiro, com o lampião aceso à beira da cama sobre o criado mudo, abriu o livro aleatoriamente e se deparou com o seguinte trecho:
 
"...encontrava-se numa dessas crises em que a alma inteira mostra indistintamente o que encerra como o oceano que, nas tempestades, entreabre-se das algas das praia até a areia dos abismos.“

Depois, foi às primeiras páginas e imergiu na leitura até o raiar do dia.

“É... eu e essa Madame temos nossas diferenças.” pensa, antes de adormecer.
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continua…

Fonte: Texto enviado pela autora

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