Dezembro de 1953. A greve na aviação comercial forçava os pilotos de táxi-aéreo a um sobre-esforço para suprir as faltas dos Douglas, Convair e Scandia das companhias. Voavamos desde o nascer até o por-do-sol. A maioria das viagens era de Londrina para Curitiba e vice-versa.
Eu já estava pilotando no limite da resistência. Quase me transformara, como os outros companheiros, num piloto-automático, decolando, ganhando altura, nivelando, baixando, aproximando, pousando... e repetindo tudo logo em seguida.
Naquela tarde eu taxiei o Bonanza PT-AHO até a cabeceira 17 do Bacacheri, com três passageiros. Dos que estavam no assento traseiro não me lembro. Mas à minha direita, na frente, ia o Michel Dib, chefe do Serviço de Trânsito de Cornélio Procópio, devidamente fardado (brim cáqui) e com seu quepe branco. Já conhecia Dib de outros voos. Magro, traços bem marcados de árabe, fala mansa, jeito tranquilo. Decolei e aproei Londrina, ganhando altura.
Fazia um calor sufocante, o sol parecia querer nos fritar dentro do avião. No ar quente e pesado, o Bonanza se arrastava como num pote de geleia, pesado e com má vontade aerodinâmica.
De súbito eu - que pilotava librado em pensamentos extra-aeronave - ouço o rechinar (ranger) das engrenagens do trem-de-pouso baixando. Levo um susto, corto a manete (acelerador do motor) de aceleração, puxo o manche para trás, "matando" a velocidade e procuro, num átimo, localizar a "pane".
Um trem-de-pouso jamais pode ser baixado em linha-de-voo, em velocidade de cruzeiro. Checo o painel e vejo a chave de comando do trem na posição de "down" (baixo). Não entendi, eu não havia comandado trem baixo!
Dib, encostado na porta, braços cruzados e quepe com a pala sobre os olhos, estava quieto, como um anjinho:
- Dib, ô Dib! Você mexeu aqui? - Perguntei quase gritando.
- Eu? Ué! - pensou alguns segundos - Mexi sim!
- Mas, como? Essa é a chave de trem-de-pouso, tem uma trava de segurança por baixo! Por que fez isso?
A inocência da resposta do Dib me fez rir:
- Wilson, é que estava muito quente aqui dentro. Aí, comecei a olhar, olhar e vi escrito "Landing Gear". Gear, pensei, é frio. Aí, empurrei essa chavinha pra baixo, ué!...
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Wilson Silva, ex-aviador no Norte do Paraná, jornalista.
Eu já estava pilotando no limite da resistência. Quase me transformara, como os outros companheiros, num piloto-automático, decolando, ganhando altura, nivelando, baixando, aproximando, pousando... e repetindo tudo logo em seguida.
Naquela tarde eu taxiei o Bonanza PT-AHO até a cabeceira 17 do Bacacheri, com três passageiros. Dos que estavam no assento traseiro não me lembro. Mas à minha direita, na frente, ia o Michel Dib, chefe do Serviço de Trânsito de Cornélio Procópio, devidamente fardado (brim cáqui) e com seu quepe branco. Já conhecia Dib de outros voos. Magro, traços bem marcados de árabe, fala mansa, jeito tranquilo. Decolei e aproei Londrina, ganhando altura.
Fazia um calor sufocante, o sol parecia querer nos fritar dentro do avião. No ar quente e pesado, o Bonanza se arrastava como num pote de geleia, pesado e com má vontade aerodinâmica.
De súbito eu - que pilotava librado em pensamentos extra-aeronave - ouço o rechinar (ranger) das engrenagens do trem-de-pouso baixando. Levo um susto, corto a manete (acelerador do motor) de aceleração, puxo o manche para trás, "matando" a velocidade e procuro, num átimo, localizar a "pane".
Um trem-de-pouso jamais pode ser baixado em linha-de-voo, em velocidade de cruzeiro. Checo o painel e vejo a chave de comando do trem na posição de "down" (baixo). Não entendi, eu não havia comandado trem baixo!
Dib, encostado na porta, braços cruzados e quepe com a pala sobre os olhos, estava quieto, como um anjinho:
- Dib, ô Dib! Você mexeu aqui? - Perguntei quase gritando.
- Eu? Ué! - pensou alguns segundos - Mexi sim!
- Mas, como? Essa é a chave de trem-de-pouso, tem uma trava de segurança por baixo! Por que fez isso?
A inocência da resposta do Dib me fez rir:
- Wilson, é que estava muito quente aqui dentro. Aí, comecei a olhar, olhar e vi escrito "Landing Gear". Gear, pensei, é frio. Aí, empurrei essa chavinha pra baixo, ué!...
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Wilson Silva, ex-aviador no Norte do Paraná, jornalista.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
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