Que magias trouxe em suas asas carijós, que romperam 25 mil quilômetros à procura do sol? Que mistérios lhes foram reservados em meio às espécies para merecer dos imperadores chineses extrema consideração, símbolo de prestígios e poder, intocável, que provoca decapitação a quem lhe atravesse a tirar a vida?
Os milhares de olhos grudaram no topo do edifício Associação Rural, no coração de Londrina, à procura da majestade, indiferente, exposta às lambidas do sol na cidade verânica, feito lagarto.
Posudo, estrela, transformado em brilho municipal. Mais procurado que manchete, provocou torcicolo em criança e adultos. Assanhou. Solitário, desde quando despediu-se do gélido Hemisfério Norte. Solitárío, no pano azul do céu londrinense. Solitário, no temor às outras aves. Seu voo é certeiro em direção às vitimas - pombas, pardais e outras aves anarquistas nas frondosas árvores da praça.
Impiedoso: mata. Feito carcará no sertão nordestino. Fome na favela do O.K. Porém nem tudo é prepotência.
Os pequenos pássaros vingam-se de sua beleza pela própria natureza, comendo insetos envenenados por inseticida. Ele, ao alimentar-se dos pássaros, destrói sua realeza, extingue sua espécie.
Para se manter, é necessário voar mundo. No ano passado, na mesma época, também encantou Londrina, com suas penas carijós, e só a abandonou quando o inverno veio chegando, manso, cinza.
"Espécie esquisita", resmungou Valdevino Cruz, zelador do edifício onde a majestade fez sua morada.
Ele, peregrino, a nova atração desta aventureira cidade de pouco mais de meio século, parece rejeitar o adjetivo. Posa, sim, como a ave mais perfeita do mundo. Este, o que pousou na curiosidade londrinense, parece certo disso. Outros de sua raça, parece lembrar, vivem em palácios como os da rainha Elizabeth ou do então primeiro-ministro soviético Tchernenko ou de reis da Arábia Saudita.
Paradão, com suas asas recolhidas, parece endossar o valor que os homens estabeleceram para sua espécie, Quem olha para sua beleza sabe porque os Papas, na Idade Média, o preservavam tanto, chegando a crucificar atrevidos que sonhassem em matar um deles.
Paradão, parece debochar de armadilhas, arapucas, gaiolas, estilingues, setas, cadeias quaisquer. Ninguém consegue passar ileso ao belo. Há até o caso de um velhinho, no Centro Comercial, que deixou de procurar pernas carnudas com seu binóculo para fixar suas vistas, já fracas, nas penas. Fique sabendo até que algumas lojas, asfixiadas pela recessão, receberam um novo sopro de vida com a venda maiúscula, de binóculos. Ontem cedo, porém, nuvens carrancudas atrapalharam o espetáculo: definitivamente, o peregrino não gosta de frio e não veio para posar em seu palco. Escondeu-se?
Frustrou a quem queria endoidar com a sua beleza. Bateu asas à procura do Sol? Foi raptado por ornitólogos? Quem perdeu, perdeu, vaticinou Valdevino. É provável que volte, quem sabe? Quem sabe deste cigano? Ano que vem, talvez, a cidade repita uma pergunta surrada neste dia: "Já viu???"
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Nilson Monteiro, jornalista e poeta.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
Imagem por JFeldman
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