domingo, 22 de outubro de 2023

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 8

 

ADEUS!

“Espera, eu voltarei.” Ele dizia
(Quanto era triste o seu olhar tão doce!)
Chorosa e terna a fala lhe tremia
Como se a corda de algum’harpa fosse.

E ela, a pálida noiva estremecida,
Fitou no amado os grandes olhos seus,
E murmurou, baixinho e comovida,
Quase a chorar e muito a medo: Adeus!
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À MEMÓRIA DE UMA AVE

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avezinha querida
Se extingue como um clarão.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.
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AO MEU BOM ANJO

Dizem que a vida não é mais que um sonho,
Meu Deus, quero sonhar!
Empresta-me, anjo bom, as tuas asas,
Guarda no seio a minha fronte em brasas,
Ensina-me a rezar!

Vamos, vamos, além... foge comigo!
Procuremos bem longe um doce abrigo,
Na pátria dos arcanjos...
A vida é sonho e como um sonho passa...
Pois bem! vamos viver no céu da graça,
Meu Deus, como dois anjos!

Quero fugir do mundo tenebroso,
Labirinto de dores...
Mensageiro divino, vem comigo,
Quero sonhar, viver, sorrir contigo,
No Éden há só flores!

Minh’alma, casta rola abandonada,
Desfalece sozinha pela estrada,
Não pode mais voar...
Empresta-lhe, anjo bom, as tuas asas:
Sinto estalar-me o coração em brasas,
Cansado de chorar.

Assim voando pelo espaço em fora
E vendo-te a meu lado a toda hora,
Quero — fugindo deste mundo agreste,
Unida ao seio teu,
Embalada por ti, anjo celeste!
Buscar meu ninho pelo azul do céu!
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CHORANDO

Fazia noite... A tristeza
Tudo envolvia em seu véu;
Soluçava a Natureza,
Caía orvalho do céu.

E naquela noite assim,
Tão tenebrosa e tão fria!
A minha mãe se partia
Para o céu azul sem fim.

Falou-me a chorar: filhinha,
O vício do mundo aterra...
Tu’alma reúne à minha,
Fujamos ambas da terra.

Beijou-me... e, qual sonho doce,
Sua vida evaporou-se.
............................

Ó mãe! por que me deixaste
No mundo sem teu amor?
Sou como o lírio sem haste
Murchando triste inda em flor.

Podias ter-me levado
Ao céu contigo, divina...
Iria em teu seio amado:
Eu era tão pequenina!

Fiquei sozinha e perdida,
Ó mãe! no mundo de abrolhos...
Na noite de minha vida
Derrama a luz de teus olhos!

Quanta tristeza se encerra
Do mundo no escuro véu!
Não quero morar na terra;
Contigo leva-me ao céu!
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CONTRASTES

Existe tanta dor desconhecida
Ferindo as almas pelo mundo em fora,
Tanto amargor de espírito que chora
Em cansaços nas lutas pela vida;

E há também os reflexos da aurora
De ventura, que torna a alma florida,
A alegria fulgente e estremecida,
Aureolada de luz confortadora.

Há, porém, tanta dor em demasia,
Sobrepujando instantes de alegria,
Tal desalento e tantas desventuras,

Que o coração dormente, a pleno gozo,
Deve fugir das horas de repouso,
Minorando as alheias amarguras.
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CORES

Enquanto a gente é criança
Tem no seio um doce ninho
Onde vive um passarinho
Formoso como a Esperança.

E ele canta noite e dia
Porque se chama: Alegria.

Depois... vai-se a Primavera...
É o tempo em que a gente cresce...
O riso se muda em prece,
A alma não canta: espera!

E ao ninho do Coração
Desce outra ave: a Ilusão.

Mas esta, como a Alegria,
Nos foge... E fica deserto
O coração, na agonia
Do inverno que já vem perto.

Nas ruínas da Mocidade
É quando pousa a saudade…
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DE LONGE

Para os teus anos, formosa,
Onde não vão meus desejos?
Mas, longe de ti, saudosa,
Só posso enviar-te beijos.

Seria, porém, com pressa,
Cheia de muito receio,
Que eu faria esta remessa
De beijos pelo correio.

E, então, pelo espaço alado
Eu vou soltá-los em bando,
Como um batalhão dourado
De passarinhos voando.

Podem, assim, os amores
Levar-te n’asa dispersos:
Minh’alma desfeita em flores
E o meu coração em versos.

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.

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