No começo do século passado, José Felix da Silva instala a Fazenda Fortaleza, nos Campos Gerais, perto de onde hoje é Tibagi, então um povoado parado. A região era habitada pelos índios Coroados que atacavam os brancos. José Felix transforma sua fazenda numa verdadeira fortaleza, com muralhas e alguns homens passam a atacar os índios, massacrando-os e trazendo os sobreviventes para trabalhar como escravos na fazenda. O governo dá-lhe a patente de coronel e, além dos índios, passa a atacar os garimpeiros clandestinos que faiscavam no Rio Tibagi. As lutas contra os índios prosseguem, mas a segurança da Fazenda Fortaleza atrai agricultores que se instalam na região.
José Felix tinha fama de ser dos homens mais ricos da Província de São Paulo, a que o Paraná pertencia. E também de ser avarento e muito cruel. Quando o sábio francês Auguste de Saint-Hilaire passa pela Fazenda Fortaleza, em 1820, conta que as provisões eram fechadas a sete chaves e, por ser José Felix odiado por seus escravos, somente seu neto de oito anos era que o barbeava. Não tinha confiança de entregar a navalha na mão de ninguém mais.
José Felix se casa com uma moça muito pobre e, dizem muito bela e aí começa um dos casos de amor mais loucos que o Paraná já conheceu. Mulher jovem e bela com marido velho, avarento e ruim não pode dar boa coisa. A mulher contrata dois homens para matarem o marido, Na emboscada, José Felix fica gravemente ferido, mas consegue liquidar com os dois bandidos.
Como todo mundo sabia que fora a mulher quem mandara matar José Felix, ela foi presa na cadeia em Castro, cidade que, segundo Saint-Hilaire, era então habitada por três ou quatro comerciantes, prostitutas e alguns artesãos. Com seu dinheiro, ou poder, José Felix consegue liberar a mulher, o que ela aceita. Traz ela de volta para a Fazenda Fortaleza e tranca-a no quarto do casal, para isso manda gradear as janelas e a única porta. Os escravos passam a comida através das grades. Ninguém entrava na cela.
Ninguém? Todas as noites, José Felix tirava a chave que trazia amarrada no pescoço, abria a cela e ia dormir com ela no seu leito nupcial para cumprir as obrigações matrimoniais de praxe. Como eram as noites de amor do casal, só Deus sabe. Ou, então, Nelson Rodrigues, que também sabe de alguma coisinha da vida como ele é.
Talvez, como as personagens de Nelson Rodrigues, a mulher gostasse de apanhar. Mas de todo jeito parece que não muito, porque um belo dia, ou uma bela noite, consegue despejar goela abaixo de José Felix, um delicioso copo de vinho francês temperado com esses venenos que só os índios da região sabiam preparar. Mas enfim, apesar de morrer com a dose, José Felix, mesmo desconfiado como era, devia estar acostumado e gostar de receber das mãos da mulher um copinho de vinho francês antes de deitarem no leito nupcial para mais uma noite de amor, ou talvez de ódio. Isso, só mesmo o bom Deus sabe.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
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