Udo Ubok Udom foi um rei famoso que viveu em Itam, uma ilha onde não havia rios. Ele e sua esposa banhavam-se em uma nascente que havia logo atrás de sua casa.
O rei tinha uma filha a quem amava muito e cobria de cuidados. Quando cresceu, a princesa tornou-se uma linda mulher. Udo Ubok Udom teve de se ausentar por uns tempos e por dois anos não usou sua fonte. Quando voltou e foi se banhar, viu que uma árvore Ju Ju havia crescido e espalhado seus galhos por todo o lugar, impossibilitando o acesso à nascente. Então ordenou que cinquenta homens cortassem a árvore com machados.
Quando os criados começaram, viram que os golpes de machado não produziam efeito algum, pois tão logo abriam um corte no tronco, ele voltava a se fechar. Tentaram inutilmente durante um dia inteiro. À noite foram comunicar ao rei seu fracasso em derrubar a árvore. Udo Ubok Udom ficou muito zangado e voltou à fonte na manhã seguinte com seu próprio facão.
Ao ver o rei tentando cortar seus galhos com a lâmina, a árvore Ju Ju lançou uma farpa em seu olho. Sentindo imensa dor, o monarca largou sua faca e correu de volta para casa. Como a dor só piorava, não conseguiu comer nem dormir por três dias.
Mandou chamar seus feiticeiros e pediu que descobrissem o motivo de tanta dor. Quando seus feitiços foram lançados, entenderam que a árvore Ju Ju o havia atacado em retaliação às suas tentativas de banhar-se na fonte e de cortá-la.
Acrescentaram que, para satisfazer e acalmar a Ju Ju, o rei deveria tomar sete cestos de moscas, uma cabra branca, uma galinha branca e um tecido branco e oferecê-los à árvore em sacrifício.
Udo Ubok Udom seguiu essas instruções. Os curandeiros aplicaram pomadas nos olhos do rei, mas a dor só piorava. Os feiticeiros foram dispensados e outros foram chamados. Estes disseram que, embora nada pudessem fazer para aliviar o sofrimento do rei, conheciam alguém capaz de curá-lo. Era um homem-espírito que vivia no além-mundo.
Udo Ubok Udom mandou que o trouxessem até ele. No dia seguinte, o homem-espírito chegou para falar com o rei.
— Se eu curar seu olho, o que ganho em troca? — perguntou o homem espírito.
— Darei metade da minha cidade, incluindo as pessoas que vivem nessa área, além de sete vacas e dinheiro.
O homem-espírito recusou a proposta. O rei, não aguentando mais tanta dor, aumentou a oferta.
— Diga seu preço e eu pagarei.
O homem-espírito disse que o único pagamento que lhe interessava era a princesa. Udo Ubok Udom começou a chorar e mandou-o embora. Preferia morrer a perder sua filha.
Durante a noite a dor piorou ainda mais, alguns súditos suplicaram ao rei para que chamasse o espírito novamente e lhe entregasse a princesa. Se Udo Ubok Udom melhorasse, poderia fazer outra filha, argumentaram, mas nada ganharia se morresse.
O rei então mandou chamar novamente o homem-espírito, que atendeu rapidamente ao chamado. Com grande pesar, o rei lhe concedeu sua filha.
O espírito entrou na mata e colheu algumas folhas, que triturou e misturou com água. Verteu o líquido no olho do rei, dizendo que pela manhã, quando lavasse o rosto, seus olhos estariam completamente curados.
Udo Ubok Udom tentou convencê-lo a passar a noite, mas o homem-espírito declinou o convite e partiu na mesma noite para o além-mundo, levando a princesa consigo.
Um pouco antes do amanhecer, o rei levantou-se e foi lavar o rosto. Viu que a farpa da árvore Ju Ju, que tanta agonia lhe causara, havia caído de seu olho. Não sentia mais nenhuma dor e enxergava perfeitamente.
Recomposto, deu-se conta de que trocara a filha por um olho sadio. Decretou que o reino todo ficasse de luto por três anos.
Durante os dois anos seguintes, o homem-espírito colocou a princesa em uma casa de engorda (*), onde recebia grande quantidade de comida. Nessa casa havia uma caveira que a aconselhou a não comer, pois a estavam engordando não para o casamento, mas porque queriam devorá-la. A partir daí, a jovem passou a dar à caveira toda comida que recebia, e alimentava-se apenas do calcário do solo.
Ao final do terceiro ano, o homem-espírito convidou alguns amigos para verem a princesa, dizendo que a mataria no dia seguinte e faria um banquete com ela.
Na manhã seguinte, o homem-espírito foi levar comida para a princesa, como de costume. A caveira, no entanto, havia ouvido a conversa da noite passada e contou à princesa sobre o que a aguardava. A jovem deu novamente a comida à sua amiga, que disse:
— Quando o homem-espírito for à floresta com seus amigos para os preparativos do banquete, fuja e volte para sua cidade.
A caveira também deu a ela uma poção fortificante para a viagem. Além disso, explicou as particularidades do caminho. Quando chegasse a uma bifurcação, a princesa deveria jogar um pouco da poção no chão e as duas trilhas se fundiriam em uma só.
Explicou que deveria sair pela porta dos fundos e atravessar toda a floresta para chegar à estrada. Caso encontrasse alguém no caminho, deveria permanecer em silêncio. Se cumprimentasse usando sua voz, saberiam que não fazia parte do mundo espiritual e a matariam. Tampouco deveria se virar caso alguém a chamasse. Deveria seguir sem parar até chegar à casa de seu pai.
A filha do rei agradeceu à caveira por todos os conselhos e partiu. Encontrou a estrada após cruzar toda a floresta. Correu por ela durante três horas, até chegar à bifurcação. Como instruída, pingou algumas gotas da poção no chão e imediatamente as trilhas se juntaram em uma. Corria sem parar e, embora fosse chamada por várias criaturas, não se virava nem cumprimentava ninguém.
Foi quando o homem-espírito retornou da mata e descobriu a fuga da princesa. Perguntou à caveira sobre seu paradeiro, mas esta lhe respondeu apenas que a jovem havia saído pela porta dos fundos, sem dizer aonde ia. Por ser um homem-espírito, ele logo soube que sua prisioneira partira para sua cidade natal. Correu atrás dela, aos gritos.
Quando a garota ouviu a voz do espírito, também correu o mais rápido que pôde e finalmente chegou à sua casa. Pediu a seu pai que pegasse uma vaca, um porco, uma ovelha, uma cabra, um cachorro, uma galinha e sete ovos. Tudo isso deveria ser cortado em sete pedaços e posto como oferenda na beira da estrada, para que o espírito, ao encontrar tais sacrifícios, desistisse de entrar na cidade. O rei cumpriu seu pedido imediatamente.
Quando o homem-espírito encontrou as oferendas, sentou-se e começou a comer.
Satisfeito, recolheu os restos e voltou para o mundo espiritual. Nunca mais voltou a incomodar a princesa.
Ao ver que não havia mais perigo, o rei bateu seu tambor e declarou que a partir dali, quando alguém morresse e fosse para o mundo espiritual, não poderia mais voltar à terra para curar pessoas.
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* Casa de engorda = era uma cabana onde a noiva ficava por algumas semanas antes de seu casamento. Durante esse período, comia muito para engordar o máximo que pudesse, já que esse era o padrão de beleza para muitos povos africanos.
Fonte: Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.
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