Esclareço que não sou compositor. Para isso não tenho talento. Se tivesse, eu lhe escreveria a mais caprichada canção. Sempre que aparece oportunidade, comento sobre quanto nos marcou a figura do homem franzino e calmo – calmo demais para um espanhol – a quem chamávamos pai. Para as pessoas de fora sou o filho que mais fala sobre ele. O amor e o respeito, no entanto, que merece um verdadeiro pai, os cinco nunca deixamos de consagrar ao nosso velho. A rigor, nem tão velho: morreu mais jovem do que eu sou hoje.
Não me preocupa nem um pouco que percebam como sou sensível. Ou “manteiga derretida”, conforme o povo diz. De vez em quando, sinto vontade de escutar “Mi viejo”, composição de Piero y José. Em português existe como “Meu velho”, versão de Nazareno de Brito, conhecida na interpretação de Altemar Dutra. Prefiro a original, aquela que no 3° Festival da Canção de Buenos Aires, em 1969, apresentou um Piero ainda seminarista, de batina e colarinho romano. Dependendo da hora, quando a ouço, me acaba vindo aos olhos alguma lágrima intrusa, que não dei conta de segurar.
Por esses dias, em consulta à Internet sobre “Mocedades”, um dos mais carismáticos grupos vocais da Espanha no século passado (desde Marialva, dele guardo um LP duplo, a mim trazido de Madri por Irmã Margarita Sastre), descobri a canção “Mi padre” (Meu pai), que descreve coisas assim: “Meu pai sonhava todo dia/ em vender nossa casa e mudarmos para longe./ Pobre sonhador! Queria tornar-se rico e se fez velho./ Dizia que nos levaria/ A conhecer o farol de Alexandria./ Pobre aventureiro! Quis ser marujo e foi mineiro./ […] Iríamos todos a Paris/ Onde ele seria duque; eu, bailarina./ Quem ia dizer-lhe/ Que, em vez de ir a um palácio, ia à mina?”.
A composição de Rafael Perez Botija (em 1976, calculem!) é interpretada por “Mocedades”. As partes de solo refletem a doçura de Amaya Urango com sua voz privilegiada. Quem se interessar acesse YouTube + Mocedades + Mipadre. Mas não espere algo como funk, rap ou sertanejo dito universitário. A canção foi composta para homenagear os pais no seu dia. Uma jovem relata, compadecida, a saga de seu pai, humilde trabalhador nas minas. Ela compreende e desculpa os devaneios com que ele procura disfarçar a pobreza da família.
Conheço o drama referido pela moça. Entre as dores da vida uma existe pouco analisada e, apesar de tudo, muito amarga. Falo da sensação de fracasso do homem honesto, que trabalhou à exaustão por toda a vida, e vê chegar o fim sem poder legar aos filhos um mínimo de bens materiais.
Contemplamos a cena ao vivo, lá em casa. Sem ilusões nem sonhos, porém. O pai sempre foi realista. E bastante sereno também. Cansado da doença, falava-nos, às vezes: “Para vocês eu valho mais morto que vivo”. Queria dizer que, enfermo, só dava trabalhos e despesas. Sentia a vida, como em conta-gotas, escapando-lhe pouco a pouco. A morte, a seu ver, daria fim às nossas preocupações. De lambuja, os tostões da mísera pensão que ele ia deixar seriam gastos no supermercado, não na farmácia.
Ah, “viejo, mi querido viejo”, dando lição de vida até na hora de morrer, hein! E nós, julgando-nos sábios por termos, como na canção, “os anos novos, e o homem, os anos velhos”.
Pai, dê motivo para seus filhos se orgulharem de você. Há presente maior?
Não me preocupa nem um pouco que percebam como sou sensível. Ou “manteiga derretida”, conforme o povo diz. De vez em quando, sinto vontade de escutar “Mi viejo”, composição de Piero y José. Em português existe como “Meu velho”, versão de Nazareno de Brito, conhecida na interpretação de Altemar Dutra. Prefiro a original, aquela que no 3° Festival da Canção de Buenos Aires, em 1969, apresentou um Piero ainda seminarista, de batina e colarinho romano. Dependendo da hora, quando a ouço, me acaba vindo aos olhos alguma lágrima intrusa, que não dei conta de segurar.
Por esses dias, em consulta à Internet sobre “Mocedades”, um dos mais carismáticos grupos vocais da Espanha no século passado (desde Marialva, dele guardo um LP duplo, a mim trazido de Madri por Irmã Margarita Sastre), descobri a canção “Mi padre” (Meu pai), que descreve coisas assim: “Meu pai sonhava todo dia/ em vender nossa casa e mudarmos para longe./ Pobre sonhador! Queria tornar-se rico e se fez velho./ Dizia que nos levaria/ A conhecer o farol de Alexandria./ Pobre aventureiro! Quis ser marujo e foi mineiro./ […] Iríamos todos a Paris/ Onde ele seria duque; eu, bailarina./ Quem ia dizer-lhe/ Que, em vez de ir a um palácio, ia à mina?”.
A composição de Rafael Perez Botija (em 1976, calculem!) é interpretada por “Mocedades”. As partes de solo refletem a doçura de Amaya Urango com sua voz privilegiada. Quem se interessar acesse YouTube + Mocedades + Mipadre. Mas não espere algo como funk, rap ou sertanejo dito universitário. A canção foi composta para homenagear os pais no seu dia. Uma jovem relata, compadecida, a saga de seu pai, humilde trabalhador nas minas. Ela compreende e desculpa os devaneios com que ele procura disfarçar a pobreza da família.
Conheço o drama referido pela moça. Entre as dores da vida uma existe pouco analisada e, apesar de tudo, muito amarga. Falo da sensação de fracasso do homem honesto, que trabalhou à exaustão por toda a vida, e vê chegar o fim sem poder legar aos filhos um mínimo de bens materiais.
Contemplamos a cena ao vivo, lá em casa. Sem ilusões nem sonhos, porém. O pai sempre foi realista. E bastante sereno também. Cansado da doença, falava-nos, às vezes: “Para vocês eu valho mais morto que vivo”. Queria dizer que, enfermo, só dava trabalhos e despesas. Sentia a vida, como em conta-gotas, escapando-lhe pouco a pouco. A morte, a seu ver, daria fim às nossas preocupações. De lambuja, os tostões da mísera pensão que ele ia deixar seriam gastos no supermercado, não na farmácia.
Ah, “viejo, mi querido viejo”, dando lição de vida até na hora de morrer, hein! E nós, julgando-nos sábios por termos, como na canção, “os anos novos, e o homem, os anos velhos”.
Pai, dê motivo para seus filhos se orgulharem de você. Há presente maior?
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