A pedido de um amigo que estava com um pé no altar, o genial D. Francisco Manuel de Mello, escritor português do século XVII, escreveu a saborosa "Carta de Guia de Casados", contendo ensinamentos ainda hoje bastante úteis para casados, noivos, viúvos e quetais.
Um exemplo: Dom Francisco chama de "casamento da morte" a união de uma moça com um velho. E explica: "os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias".
Pois não era outra coisa o que se dizia do "seu" Andrézinho às vésperas do casamento com Maria, lá em Várzea, lugarejo perdido no interior do Município de Bocaiúva do Sul, a meio caminho de Campinhos e da antiga Colônia Marques de Abrantes. Moça bonita, de cabelo preto e pele rosada, Maria sequer completara 18 anos. Já o "seu" Andrézinho... remanescente dos primeiros poloneses assentados na Colônia, viúvo, estava a caminho dos 83 anos. Homem miúdo de corpo, até que estava razoavelmente conservado para a idade, mas 83 anos são 83 anos. Já ia para uns 30 anos que enviuvara, mas o homem só embestou de casar de novo fazia alguns meses, logo depois da morte do filho único, solteirão.
"Preciso alguém para me cuidar na velhice", dizia. Daí... Por que com uma moça tão jovem, em vez de alguma das viúvas das redondezas, era a pergunta que ninguém ousou perguntar e ele jamais precisou responder. Mas não tinha casa na comunidade em que não se cochichasse a mesma coisa: "esse não tá casando, tá, sim, é comprando uma petíça nova".
Sucede que "seu" Andrézinho tinha uma chácara de oito alqueires bem montadinha, carroção, parelha de mula, três cavalos, algumas vacas, criação de porco e galinha, plantava dois quartos de milho, um de feijão...
Naquelas bandas, até que era um bom patrimônio. Já a moça Maria, de riqueza só tinha a família: pai, mãe e uma penca de irmãos. Quando "seu" Andrézinho fez o pedido, a mãe da Maria chorou pelos cantos uns três dias; já o pai, esse - como se diz hoje em dia: deu o maior apoio. Parece que até a Maria se encantou com a ideia do casamento.
De cara, ganhou enxoval e sapato de sola de couro - coisa que ela nunca calçaria na vida. E de mais a mais, o velho não haveria de durar por muito tempo... Só o padre Antonio, que visitava o patrimônio duas ou três vezes por ano, se recusava a realizar o casamento. - "Isso é absurdo, é pecado!!" - vociferou quando foi procurado pelo Andrézinho.
Acabou convencido pelo próprio noivo: - "Se o senhor não casar, a gente se ajunta do mesmo jeito, o que é pecado maior".
A igrejinha de madeira de Ouro Fino nunca vira tanta gente como no dia do casamento. Parecia que estava todo mundo ali para tirar a teima, ou para o churrasco de gordo que viria depois. "Seu” Andrézinho fez questão de esperar a noiva no altar - coisa que não se usava por aquelas bandas — e instruiu Maria para entrar na igreja andando devagarinho, mesmo que música não tivesse. Quando Maria assomou na porta da Igreja, o rosto do velho polonês ficou mais vermelho que de costume. Então ele se curvou pouco para a frente, levou as mãos no peito, curvou mais ainda e, se esborrachou no chão.
"Seu" Andrézinho estava morto! Ataque cardíaco fulminante. Nem desconfiança nem demasia. O pobre homem morreu de ansiedade, sequer pôde desfrutar da noiva.
Pior, é que casamento não houve. E sem casamento, a Maria que não pôde desfrutar o património do Andrézinho. Sem herdeiros aqui, e sem que ninguém conseguisse localizar um parente dele no Polônia, a chácara do Andrézinho acabou passando tempo depois, para as mãos do governo.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
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