Iniciado na época em que se publicava Macunaíma, o livro João Ternura, assim como sua personagem principal, custou a nascer. Mas afinal, depois de 40 anos, apareceu com as marcas congênitas do Modernismo. A obra foi publicada postumamente em 1965, um ano após a morte do autor. Não se sabe ao certo quando Aníbal Machado começou a trabalhar nele. Mas não há dúvida de que o escreveu e reescreveu durante décadas.
O título é uma referência ao protagonista, espécie de alter-ego do autor. O romance é formalmente fragmentário, pois existe a presença de surrealismo, de álbum de momentos perdidos, memórias de uma infância mineira, é um romance de confissão de um adulto na confusão carioca.
O herói, "lírico e vulgar", como se cognominou durante o largo período de gestação, caminha dispersivamente, do nascimento à morte, sempre "sapeando".
João Ternura mistura realidade e supra-realidade, ficção e memória, prosa e verso.
A obra envolve o inconsciente, a turbulência e o “rumor da alma” (marca do estranho, onírico).
No prefácio, declara Aníbal Machado que, "com acréscimos, supressões e pequenas modificações no já feito, além da elaboração quase total da segunda parte em diante, procurei dar-lhe (ao livro) arranjo adequado à vida de seu morador: esse pobre João Ternura que nas nuvens melhor ficaria, uma vez que sua simplicidade e inocência nem sempre encontravam resposta num mundo em que não conseguiu (e nem suportava) atingir a chamada idade da razão e das conveniências sociais que tão tristemente já alcançamos.
Diluídas em névoa poética as contradições de pequeno-burguês, o herói parou, espantado, a meio caminho de sua libertação, quando começava a ter uma consciência menos confusa da realidade."
Estrutura
Esse romance "episódico-rapsódico-lírico", como o classificou Fausto Cunha, apresenta-se dividido em seis livros.
Personagens
João Ternura: é lírico, lúdico, engraçado, generoso, alegre, inerente, polimorfo. É em boa medida uma encarnação do povo brasileiro, em seus ganhos e perdas no esforço para crescer não apenas materialmente, mas ainda em termos de justiça e liberdade, de democracia e afirmação cultural. Como não busca apenas o crescimento pessoal, Ternura envolve-se em lutas populares e pratica atos heróicos - e perfeitamente inúteis - durante uma das revoluções que sacudiram o país na primeira metade do século XX.
Antônio e Liberata: pais de João Ternura.
Natália e Marina: tias de João Ternura.
Isaac: amigo de travessuras na infância.
Manuel: dono da gráfica.
Luisinha: irmã de Manuel.
Arosca, Silepse, Matias, Pepão, Biba e Josias: amigos da pensão.
Marilene e Rita: mulheres com quem se relacionou.
Jeremias: ex-repórter, bêbado.
Enredo
Livro I
O primeiro livro registra evocações, peripécias, sensações do período que vai do nascimento de João Ternura na fazenda até sua entrada para o colégio interno. É onde se registram as primeiras travessuras de João Ternura.
É neste livro que se conta da fuga do sítio, uma busca de lugares desconhecidos.
João Ternura escuta seus pais em relação sexual e o suspiro de tia Marina: Ah, como eu queria sentir aquelas dores de minha irmã!... De minha irmã que estava gemendo!... Tanto eu queria...
As histórias de Dona Iaiá também estão registradas neste livro I:eram as curiosidades sobre o mundo; e é neste livro tambám que Ternura descobre a pedra.
JoãoTernura é levado pelo pai ao internato.
Neste livro o autor realiza estilisticamente, pergunta sobre pergunta, a recuperação do mundo e da linguagem infantis. Nota-se também a fixação do fluxo de consciência de Ternura, também presente em outros passos do livro (chama-se também, a esse processo, monólogo interior).
Livro II
O segundo livro assinala o início da decadência econômica do pai, cujo negócio de barcas se tornara anacrônico com a construção da estrada. Ternura foge do colégio, nove meses depois.
No livro II nota-se a referência que Liberata, mão de Ternura, faz a um passo anterior, que não consta na antologia, onde ela está lavando roupa com as amigas e sonhando com o nascimento de João. Uma das amigas, então, aventa perversamente a possibilidade de João nascer gigante ou anão, polvo ou aranha. Existe ainda nesse livro a inclusão do poema integrando a narrativa.
Livro III
A partir do terceiro livro, já se encontra no Rio de Janeiro.
Conversa com o primo, as dificuldades: timidez, jeito de falar e andar, etc. Conversa com o mar: Mar, o que eu queria te dizer é que pertenço a uma espécie aborrecida que não escolhi. Posso um dia optar pelas tuas águas? Mergulha-se e fica... Ninguém vai notar a ausência...
É neste livro que Ternura conhece Rita: tempestade, aconchego, cuida dele, beija-o e ele desaparece.
Mostra a vida na pensão, a amizade com Manuel, os tipos que lá habitavam.
Dá-se um tratamento irônico à Revolução de 1930 e referência à Macunaíma, do livro de Mário de Andrade.
A lei contra lei do amor: surpreendido com uma menor, Ternura é preso.
Seus novos amigos: Matias, Pepão etc.
Numa carta, a mãe pede para que volte e ele nega.
O livro III fala da morte de Saint-Hilaire (Sentalher), onde logo após João Ternura, vai pra um bordel, desanimado, bebe e delira.
É registrado também sua conversa com Matias e Pepão sobre a Revolução: ele deveria tentar com o ministro uma aposentadoria.
Livro IV
Registro do diálogo com Matias e Manuel.
João Ternura sente saudades da chácara. Com a morte os pais, os parentes se dispersaram.
Matias, Pepão e Ternura saem com quatro mulheres. Nova sedução: Marilene (saudades e carta de amor). João Ternura tem constantes frustrações amorosas.
João trabalha na gráfica de Manuel como e quando quer e desaparece.
Pensa em um mundo ideal : o Reino de Bubuia.
Livro V
No livro V existe a relação irradiação / presença da amada, constante em Aníbal. Veja em Viagem aos Seios de Duília, por exemplo.
Flashback de Ternura: “Sob o céu do oeste, à beira de um rio, a chuva há muito vem saindo sobre os ossos de uma chácara abandonada. Sim, os anos teriam de correr... correram – e ele não percebia. Agora, está vendo nos destroços os sinais da passagem e velocidade dos anos.
Agressão do passado. Por que se revela de uma só vez tudo o que vinha se desmanchando em sigilo e devagar?
Ah, cadáver do mundo, vegetações da ausência!...
E tanto tempo a esperar a coisa, o grande segredo, a razão de ser!”
João reencontra Rita: “Rita enfeitada!... Dormindo ou fingindo que dormia... Mais poderosa dormindo que acordada.(...)
Correu a olhá-la de perto. A mão viajou por curvas e relevos. Com delicadeza para não despertá-la. Ele se deitou sobre ela, gemeu em cima, penetrou-a.
Como não acordar agora à pressão de outro corpo? Ou estria ela repetindo no abraço do momento o abraço permanente e universal de suas noites?”
A morte de Juca do Timbau. Preocupação com chuva no carnaval.
Livro VI
No livro VI há uma referência ao delírio de Ternura.
O fecho do romance decorre durante os três primeiros dias de um carnaval carioca, acontecimento que não serve apenas para desatar as necessidades do corpo, mas também para liberar o espírito crítico dos vários João Ternura que participam da festa.
No carnaval um orador de rua denuncia em linguagem meio joyceana os dilemas do mundo contemporâneo; e enquanto o samba rola, personagens não identificados divulgam um manifesto em favor dos que não têm lugar na sociedade, bem como o texto de um telegrama no qual se defende a liberdade da poesia e a renovação da literatura no Brasil.
Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/j/joao_ternura
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