Voltaram de braços dados, Narizinho aborrecida com o berro da vaca e o príncipe a se queixar de palpitações do coração. Assim que alcançaram o terreiro, novo susto veio agravar o seu estado de saúde.
Ouviam-se dentro da casa gritos e choradeira.
— Que terá acontecido? — murmurou a menina, apreensiva.
Largou do príncipe e foi a correr, com o pressentimento dalguma grande desgraça.
— Que é? Que aconteceu? — gritou logo ao entrar.
Não obteve resposta. Todos estavam chorando e não lhe deram tempo à pergunta. A menina olhou espantada para os personagens presentes, dirigindo-se à cozinha em seguida. Lá encontrou tia Nastácia também chorando.
— Que é que aconteceu, tia Nastácia? — perguntou aflita.
A negra respondeu, enxugando as lágrimas:
— Nem queira saber, Narizinho! Antes vá-se embora...
Como a menina insistisse, a negra não teve remédio e contou.
— Pois imagine que Miss Sardine, desde que o príncipe chegou, se meteu aqui na cozinha todo o tempo, a coitada. Remexeu em tudo, provou o sal, o açúcar, e até caiu no pote de pimenta-do-reino. Eu salvei ela, dei um banhinho nela e pus ela ali no canto para secar. No começo, enquanto a pimenta estava ardendo, ficou muito sossegada. Mas depois que a ardidura passou, principiou a reinar outra vez. Eu estava sempre avisando: “Não mexa aí! Não chegue perto do fogo! Não seja tão reinadeira que de repente acontece qualquer coisa para mecê!” Mas era o mesmo que estar falando pra aquele pau de lenha ali. Fazia uma carinha de caçoada e continuava. Se não aconteceu desgraça foi porque meus “zóio” não saía de cima dela, vigiando. Mas de repente sinhá me chamou para ouvir uma história do doutor Caramujo. Fui e deixei Miss Sardine sozinha...
— E que aconteceu? — indagou Narizinho surpresa.
A negra continuou, depois de enxugar as lágrimas no avental.
— Aconteceu o que eu tinha medo que acontecesse. A coitadinha, assim que saí, trepou no fogão para espiar a frigideira de gordura. Achou linda, com certeza, aquela água que pulava e chiava — e deu um pulo para dentro da frigideira, pensando que fosse uma pequena lagoa. Gordura fervendo, imagine!...
— Coitadinha! — berrou a menina horrorizada. — Que contas vamos agora dar ao príncipe? Miss Sardine era a dama de mais importância lá no reino — a única que tinha entrada na corte. Onde está ela, Nastácia?
— Está ainda na frigideira — respondeu a negra. — Frita! Frita que nem um lambari frito...
Não podendo conter as lágrimas, a menina rompeu num berreiro. O príncipe ouviu lá de fora. Reconheceu o choro e veio a correr, aflitíssimo. Quando soube da tragédia, desmaiou. Corre que corre! Chama o doutor Caramujo! Não acham o doutor Caramujo!
Grita aqui! Berra de lá! Desmaia adiante! Que confusão horrível foi!... Enquanto isso tia Nastácia tirava da frigideira o cadáver de Miss Sardine para mostrá-lo a dona Benta.
— Veja, sinhá! Tão galantinha que até depois de morta ainda conserva os traços... e a negra cheirou a sardinha frita, e depois a provou, e ficou com água na boca e comeu-lhe um pedacinho, e disse arregalando os olhos: — Bem gostosinha, sinhá. Prove... Muito melhor que esses lambaris aqui do rio...
Dona Benta recusou e tia Nastácia, ainda com lágrimas, acabou comendo a sardinha inteira.
Voltando a si do desmaio, o príncipe recaiu em profunda tristeza. Não quis comer coisa nenhuma das comidinhas preparadas para ele. Não quis continuar no passeio pelo sítio. Só queria uma coisa: volta.
Dona Benta sentiu muito e disse:
— Pois, senhor príncipe, nossa casa está sempre às suas ordens.
Quando quiser aparecer, não faça cerimônia, apareça.
— Muito obrigado — respondeu o peixinho com voz sumida.
— Também eu faço muito empenho em que a senhora nos apareça lá pelo reino.
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Continua... Aventura do Príncipe – VIII – O Novo Desastre
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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