Nunca me esqueço de uma crônica publicada há mais de meio século na revista “O Cruzeiro” pela célebre jornalista Rachel de Queiroz. Falava de um homem que passou a usar relógio de pulso porque não tinha tempo para ver as horas no relógio de bolso.
Naquela época já as pessoas começavam a tornar-se escravas dos ponteiros. Para dar uma olhada no Omega pataca de bolso você perderia alguns valiosos segundos. No fim do dia, esses segundos, somados, dariam mais de cinco minutos. Já pensou?...
O relógio de pulso tem a vantagem de ser funcional. Você pode ver as horas sem interromper o que está fazendo. Por isso ele se adaptou tão bem ao ritmo do homem moderno, aposentando o elegante “colega” outrora carregado na algibeira com direito a correntinha.
Um desses sujeitos superorganizados decidiu medir o tempo que a gente perde durante o dia. Aqueles segundos gastos à espera de que o semáforo nos dê passagem: cada semáforo é um atraso de vida; cada tartaruga, cada quebra-molas... quantos segundinhos desperdiçados nesse stop-start do trânsito urbano...
A espera pelo sinal do telefone, a espera pelo elevador, a espera da vez de falar com o gerente no banco... Espera aqui, espera acolá, espera isso, espera aquilo...
No final da tarde, com o mapa da cronometragem rigorosamente montado, o sujeito chegou à calamitosa conclusão de que um homem de negócios perde, durante o espaço útil de um dia, nada menos que sessenta e cinco minutos e quarenta e dois segundos.
São cerca de quatrocentas horas por ano, gastas em esperas. Transforme essas quatrocentas horas em dinheiro e veja o tamanho do prejuízo...
Mas quer saber de uma coisa? Se a gente pega a mania de medir o tempo perdido nisso ou naquilo, acaba enlouquecendo.
Todos estamos hoje esmagados pela necessidade de aproveitar cada minuto em alguma “coisa prática”. De manhã à noite é essa correria maluca. Daí todo mundo fica se queixando de estresse. Mas todo mundo continua na mesma pressa.
Por que? Por causa de uns dinheirinhos a mais? Será que os seus compromissos são assim de tal modo urgentes? Ou é você que não sabe mais parar?
Ah que saudade do relógio de bolso... Um amigo meu confessou que um dos seus bons sonhos é um dia dispor de tranquilidade para usar um desses mimos no bolso do colete. Quem sabe acerte na mega sena e possa dar-se o luxo de não mais se preocupar com as horas.
Disse que outro dia viu um numa vitrine, igual ao do seu avô. Falou ao dono da relojoaria: “Guarde esse bacanudo aí, que ele ainda vai ser meu...”
O homem olhou meio desconfiado e foi atender outro freguês. Ele também não podia perder de forma alguma o seu precioso tempo.
(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 04-6-2020)
Fonte:
Facebook do autor.
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