quarta-feira, 24 de junho de 2020

Prof. Garcia (Trovas que Sonhei Cantar) 9


Aceita o peso da cruz
e ensina a qualquer pessoa...
Que a intensidade da luz
é mais forte em quem perdoa!
- - - - - -
A dor e o pranto eu diviso,
às vezes, num mesmo rosto,
quando vejo o falso riso
que há no riso do Sol posto!
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Ao longe, um gemido e um canto
das nuvens fechando as portas:
É a tarde bebendo o pranto
dos olhos das horas mortas!
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Aos ritos de cada galho,
a luz do sol, se extasia,
bebendo as gotas de orvalho
dos olhos da noite fria!
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A saudade, sem alarde,
num gesto solto e bonito,
se abraça aos braços da tarde
que cochila no infinito!
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A vida, é um mistério ingente:
Ser feliz, é o sonho meu...
Dá-nos tudo!... E, de repente,
toma aquilo que nos deu!
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Como eu ponho a mão na massa,
sinto a angústia e o desprazer
de quem sente a dor que passa,
alguém, que em paz, quer viver!
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Curvado e já bem velhinho,
arrastando os pés na estrada...
Busca o andarilho sozinho,
as mãos de Deus e mais nada!
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De eterno saber profundo,
Deus pôs, em forma de luz...
Todas as bênçãos do mundo,
nos braços da mesma cruz!
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De volta à praça, onde um dia,
pulei no chão das calçadas...
Eu a noite e a nostalgia,
caminhamos de mãos dadas!
- - - - - -
Em meio a tantos deslizes,
sinto na vida que passa...
Que no pão dos infelizes
falta ternura na massa!
- - - - - -
Esquece as mágoas que vão
e abraça as dores que vêm,
que o silêncio do perdão
põe voz na vida de alguém!
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Fui rever meu chão amado,
que há muito tempo eu não via;
chorei, beijando o passado
e as mãos da casa vazia!
- - - - - -
Há hiatos e há mil ditongos,
reticências, fantasias...
Nas horas dos sonhos longos
das velhas noites vazias!
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Lágrima boba, caída,
que em silêncio, não se explica...
Pode ser mágoa retida
que aos olhos se justifica!
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Madrugada!... E. eu tento vê-las;
mas é noite, e um negro véu,
com ciúme das estrelas,
esconde todas no céu!
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Mesmo apesar da distância,
há uma voz que não me irrita:
Quando escuto a minha infância,
tão pobre, mas tão bonita!
- - - - - –
Não faça jura pequena,
compromisso não quer pressa;
promessa, só vale a pena,
quando se paga a promessa!
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Na onda em que tu navegas,
eu não me arrisco jamais...
Meu medo é que as ondas cegas,
se percam na volta ao cais!
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Num choro triste, incontido,
por tanta flor que nos deu...
Chora o galho entristecido,
beijando a flor que morreu!
- - - - - -
O uirapuru faz a festa
com seu canto meigo e doce;
se não for rei da floresta,
mas canta como se fosse!
- - - - - -
O velho nauta, em seus passos,
olha o céu, põe-se a vogar...
Como se a força dos braços,
fosse a das ondas do mar!
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Por mais que a sorte indiscreta,
acesse a minha crendice...
Mais creio, que não deleta
meus sonhos da meninice!
- - - - - -
Quando a saudade me aperta,
sozinho... E, na tarde morta...
Se o amor, deixa a porta aberta,
a solidão fecha a porta!
- - - - - –
Se a infância, não se refaz,
meus sonhos, tento revê-los...
Beijando o branco da paz
pintado nos meus cabelos!
- - - - - -
Semeia flores... Semeia
e afasta qualquer temor...
Quem incensa a dor alheia,
perfuma as mãos do Senhor!
- - - - - -
Senhor, teu perdão na cruz,
ante os martírios da dor...
Mostrou ao mundo sem luz
a divina Luz do amor!
- - - - - -
Sentindo que a idade avança
sem me causar empecilho,
ergo uma estátua, à esperança,
e outra, ao meu tempo andarilho!
- - - - - –
Sozinho, nas noites calmas,
sempre escuto em meu portão,
o vento batendo palmas
nas sombras da solidão!
- - - - - –
Velho mar, tu não te acalmas;
há culpas no teu penar?...
Tu tens a angústia das almas
na angústia do teu cantar!

Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018. 
Livro gentilmente enviado pelo autor.

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