A MORTE DE SAMUEL RICARDO
Para Kivitz, o temeroso da morte
Estou sentado solitário em meu sofá,
nesta sexta-feira da longa Paixão,
e ao contemplar a janela,
a luminosidade que ela deixa passar
filtrada pela diáfana cortina de linho,
penso que um dia a Morte entrará
por esta mesma janela, arrombando-a;
será talvez pela tarde, uma tardezinha
de paz e livros e solidão como esta.
Entrará epifânica, com um estrondo
de trovão, a Morte – um dragão
de escamas lindas, azuis como o céu e o mar.
Entrará arrombando os ferros,
explodindo a casa, ela a Morte,
a coisa mais desejável depois do Rei.
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CREPÚSCULO DOS DEUSES: RAGNARÖK
Um Dia feito da escuridão
de todos os dias
o Dia em que Odin-o-exaurido
será devorado pelo lobo Fenris,
Thor-do-trovão tombará sobre o cadáver
da serpente-sem-fim, Iormungand
Você é um dos homens
eleitos pelo deus, guerreiro?
Afie pois os dois caminhos de sua espada,
as duas asas de seu machado firme
e caia como vaga sobre o conflito:
será tudo em vão,
pois ao fim e ao cabo
como a Ordem venceria o Caos?
Mas você terá combatido,
você terá deveras combatido
e não foi afinal para isso e para este Dia,
ó boneco de pó predestinado,
que o pai Odin criou os homens?
****************************************
LAMENTO À MANEIRA ANTIQUA
Um coração de tipo e viés cigano
valia-me mais que este meu, pacato
eu amaria as que me constrangem, sem recato
trocaria minha farda por colorido pano.
Beberia vinho em fundas taças de cristal
sem atinar para a vil aparência do mal;
deitaria meu rosto de pranto em todo colo
e redimiria de o vazio delas todo o dolo...
Mas temo e tremo, pela alma e destino meus;
recolho-me à minha taba, espero em meu Deus.
****************************************
MAR OCIDENTAL
Em meio à praça
Em meio ao mar
Espero com flores
O cortejo passar
E além (a)dentro
(d)os livros, Álcoois de Guillaume*
E Paul**, no Cemitério Marinho
Ou no Waste Land
calçando as botas de Eliot***
Meu amor acabou
E perambulo pelo cais,
Praças e mares
mercando narcóticos e livros
E em silêncio busco a Ti,
Deus maltrapilho,
Para que me ressuscite
- - - - - -
*Guillaume Apollinaire
**Paul Valéry
***T.S. Eliot
****************************************
CANTIGA DOS MOLEQUES FRUTEIROS
Pedrinho tem fome de mato,
das frutinhas que tantas dão por lá:
Cajuí, taperebá, araticum e cajá
Cambuci, guabiroba, cagaita e maracujá
Juca menino erradio
pulou a cerca do sítio,
e lá se foi, frutas a roubar:
Pindaíva, marôlo, sorvinha e biribá
saguarají, feijoa, sapoti e joá
Gustinho não poupa ninguém
nem atina se a fruta é veneno;
se tem polpa pouca
ou se nem polpa tem,
a de vez ele come,
a passada também:
Mangaba, guriri, tucum e butiá
uarutama, bacupari, marmelinho e ingá
Renato é um bicho-do-mato:
chafurda nas matas,
rompe pelos florestins
sabe o tempo de cada fruta,
e deita sozinho a fazer seus festins:
Babaçu, inajá, catolé e bacuri
sapota, cupuaçu, araçá e cacauí
Fernandinho é moleque mateiro:
gosta é de pelar pé de árvore
no pomar da avó.
É fruta que não acaba tão cedo
e lá vai ele, arteiro, trepar no arvoredo:
Grumixama, cubíu, marmixa e abiu
guaburiti, pitangatuba, murtinha e camu-camu
Saltam riacho, cerca de roça,
mata fechada e o que se lhes dá;
Comem de tudo e tudo sem pressa,
sorvendo o bom doce de tudo o que há:
Acumã, pequiá, jameri e jaracatiá
aboirana, curriola, fruta-de-tatu e cambuiú.
Fonte:
Sammis Reachers. Pulsátil: poemas canhestros & prosas ambidestras. e-book. 2014.
Um Dia feito da escuridão
de todos os dias
o Dia em que Odin-o-exaurido
será devorado pelo lobo Fenris,
Thor-do-trovão tombará sobre o cadáver
da serpente-sem-fim, Iormungand
Você é um dos homens
eleitos pelo deus, guerreiro?
Afie pois os dois caminhos de sua espada,
as duas asas de seu machado firme
e caia como vaga sobre o conflito:
será tudo em vão,
pois ao fim e ao cabo
como a Ordem venceria o Caos?
Mas você terá combatido,
você terá deveras combatido
e não foi afinal para isso e para este Dia,
ó boneco de pó predestinado,
que o pai Odin criou os homens?
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LAMENTO À MANEIRA ANTIQUA
Um coração de tipo e viés cigano
valia-me mais que este meu, pacato
eu amaria as que me constrangem, sem recato
trocaria minha farda por colorido pano.
Beberia vinho em fundas taças de cristal
sem atinar para a vil aparência do mal;
deitaria meu rosto de pranto em todo colo
e redimiria de o vazio delas todo o dolo...
Mas temo e tremo, pela alma e destino meus;
recolho-me à minha taba, espero em meu Deus.
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MAR OCIDENTAL
Em meio à praça
Em meio ao mar
Espero com flores
O cortejo passar
E além (a)dentro
(d)os livros, Álcoois de Guillaume*
E Paul**, no Cemitério Marinho
Ou no Waste Land
calçando as botas de Eliot***
Meu amor acabou
E perambulo pelo cais,
Praças e mares
mercando narcóticos e livros
E em silêncio busco a Ti,
Deus maltrapilho,
Para que me ressuscite
- - - - - -
*Guillaume Apollinaire
**Paul Valéry
***T.S. Eliot
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CANTIGA DOS MOLEQUES FRUTEIROS
Pedrinho tem fome de mato,
das frutinhas que tantas dão por lá:
Cajuí, taperebá, araticum e cajá
Cambuci, guabiroba, cagaita e maracujá
Juca menino erradio
pulou a cerca do sítio,
e lá se foi, frutas a roubar:
Pindaíva, marôlo, sorvinha e biribá
saguarají, feijoa, sapoti e joá
Gustinho não poupa ninguém
nem atina se a fruta é veneno;
se tem polpa pouca
ou se nem polpa tem,
a de vez ele come,
a passada também:
Mangaba, guriri, tucum e butiá
uarutama, bacupari, marmelinho e ingá
Renato é um bicho-do-mato:
chafurda nas matas,
rompe pelos florestins
sabe o tempo de cada fruta,
e deita sozinho a fazer seus festins:
Babaçu, inajá, catolé e bacuri
sapota, cupuaçu, araçá e cacauí
Fernandinho é moleque mateiro:
gosta é de pelar pé de árvore
no pomar da avó.
É fruta que não acaba tão cedo
e lá vai ele, arteiro, trepar no arvoredo:
Grumixama, cubíu, marmixa e abiu
guaburiti, pitangatuba, murtinha e camu-camu
Saltam riacho, cerca de roça,
mata fechada e o que se lhes dá;
Comem de tudo e tudo sem pressa,
sorvendo o bom doce de tudo o que há:
Acumã, pequiá, jameri e jaracatiá
aboirana, curriola, fruta-de-tatu e cambuiú.
Fonte:
Sammis Reachers. Pulsátil: poemas canhestros & prosas ambidestras. e-book. 2014.
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