sexta-feira, 12 de junho de 2020

Luigi Pirandello (Você Está Rindo!)


Cutucado pela mulher com um puxão forte no braço, naquela noite também o pobre senhor Anselmo acordou esperneando.

— Você está rindo!

Atordoado, com o nariz ainda tonto de sono e meio sibilante devido à ânsia daquele sobressalto, ele engoliu em seco, coçou o peito emaranhado de pelos e depois, carrancudo, perguntou:

— Esta noite.., que diabo... esta noite de novo?

— Todas as noites! Todas as noites! — rugiu a mulher, lívida de raiva.

O senhor Anselmo levantou-se, apoiando-se num cotovelo e, continuando a coçar os pelos com a outra mão, perguntou irritado:

— Mas você tem mesmo certeza? Talvez eu apenas faça caretas com os lábios por alguma indisposição do estômago e você fica achando que eu estou rindo.

— Não, você ri, ri, ri — reafirmou a mulher três vezes — Quer ouvir como? Assim, ó.

E imitou a gargalhada demorada, cheia de gorjeios, que o marido emitia todas as noites durante o sono.

Espantado, mortificado e quase incrédulo, o senhor Anselmo voltou a perguntar:

— Assim mesmo?

— Assim mesmo! Assim mesmo!

E a mulher, depois do esforço da gargalhada, exausta, abandonou a cabeça sobre o travesseiro e os braços em cima dos cobertores, gemendo:

— Ai, meu Deus, a minha cabeça...

Aos soluços, apagava-se no quarto naquele momento uma lamparina junto à Virgem do Loreto, em cima da cômoda. A cada soluço da lamparina, parecia que os móveis todos estremeciam.

Irritação e mortificação, raiva e chateação estremeciam da mesma maneira no espírito abatido do senhor Anselmo, por causa das suas inacreditáveis gargalhadas de todas as noites durante o sono, e que despertavam na mulher a suspeita de que ele, dormindo, deliciava-se sabe-se lá com que prazeres, enquanto ela continuava acordada ao seu lado, insone, irritada pela eterna dor de cabeça, pela asma nervosa, pelas palpitações do coração, em suma, por todas as doenças possíveis e imagináveis numa mulher nervosa perto dos cinquenta anos.

— Quer que eu acenda a vela?

— Acende, sim, acende! E me traz as gotas, depressa! Vinte gotinhas num pouco d'água.

O senhor Anselmo acendeu a vela e desceu da cama rapidamente. Assim, de camisola e descalço, quando passou diante do guarda-roupa para buscar o frasco de água-de-laranjeira na cômoda e o conta-gotas, viu-se no espelho e instintivamente ergueu a mão para ajeitar a longa madeixa com que se iludia esconder um pouco a calvície. Da cama, a mulher flagrou-o.

— Está ajeitando o cabelo! — comentou. — Você tem a coragem de ajeitar os cabelos de noite, de camisola, enquanto eu estou morrendo?

O senhor Anselmo virou-se como se uma víbora o tivesse mordido à traição e, apontando o dedo indicador para a mulher, gritou-lhe:

— Você, morrendo?

— Eu só queria — disse ela, em voz de lamento — que o Senhor fizesse você experimentar o que estou sofrendo no momento!

— Ah, não, minha querida, não — resmungou o senhor Anselmo. — Se você estivesse realmente mal não iria se preocupar com um gesto meu involuntário. Apenas levantei a mão, levantei... Raios me partam!...

E, com raiva, jogou no chão a água do copo, no qual em vez de vinte, sabe lá Deus quantas gotas do calmante haviam caído. E precisou ir até a cozinha, assim mesmo de camisola e descalço, para buscar mais água.

— Eu rio! Senhoras e senhores, eu rio... — dizia para si mesmo, ao atravessar na ponta dos pés e com a vela na mão o longo corredor.

— Vovô, vovozinho…

Era a voz de uma das cinco netinhas, a voz de Suzana, que ele chamava Suzie, a mais velha e a mais querida do senhor Anselmo.

Acolhera em casa há uns dois anos as cinco netinhas e a nora, depois que seu único filho morrera. A nora, uma mulher ruim que aos dezoito anos enredara seu pobre filho, por sorte havia fugido de casa com um certo senhor, amigo íntimo do defunto marido, e assim, as cinco orfãzinhas (a mais velha delas, Suzie, tinha apenas oito anos) acabaram nos braços do senhor Anselmo, literalmente nos seus braços pois que nos da avó, afligida de tantas doenças, é claro que não podiam ficar.

A avó mal tinha forças para cuidar dela mesma. Mas tinha forças, ora se tinha, quando o senhor, Anselmo involuntariamente levantava a mão para arrumar meia dúzia de cabelos que ainda lhe restavam no crânio. Porque, além de todas as doenças, a avó ainda tinha a coragem de ser ferozmente ciumenta, como se na tenra idade de cinquenta e seis anos, com a barba branca, o crânio pelado, no meio das delícias que a sorte amiga lhe tinha destinado, com aquelas cinco netinhas às costas que não sabia como criar com seu magro ordenado, com o coração ainda sangrando pela morte do seu desgraçado filho, ele pudesse ainda por cima sair atrás de mulheres bonitas!

Não seria justamente por isso que ele ria tanto? Claro que sim! Claro que sim! Sabe-se lá quantas mulheres eram beijadas por ele todas as noites! A fúria da sua mulher, a raiva lívida com que lhe gritava "Você está rindo!", não tinha com certeza outra razão senão o ciúme. E o ciúme… ora, vejamos, o que é o ciúme, afinal? Um pequeno e ridículo fragmento de pedra infernal metido pelo destino amigo na mão da mulher para se divertir irritando-lhe as chagas, todas as chagas de que graciosamente quisera cobri-lo a existência.

O senhor Anselmo colocou a vela no chão, perto da porta, para não acordar com a luz as outras netinhas, e entrou no quarto atendendo ao chamado de Suzie. Para melhor consolo do avô que tanto bem lhe queria, Suzie crescia mal; um ombro mais alto do que o outro, torto ainda por cima, e dia a dia o pescoço parecia cada vez mais uma haste fina demais para sustentar a cabecinha muito grande da garota. Ah, aquela cabecinha da Suzie...

O senhor Anselmo debruçou-se na cama para que a netinha lhe enlaçasse o pescoço com seu bracinho magro, e disse:

— Sabe de uma coisa, Suzie? Vovô estava rindo!

Suzie olhou-o nos olhos, com espanto e pena.

— De novo?

— De novo. Uma daquelas gargalhadas... Mas deixa eu buscar um copo d'água para a vovó, queridinha... Durma, durma... e vê se você também consegue rir um pouco, tá? Boa noite.

Beijou a netinha nos cabelos, ajeitou-lhe as cobertas direitinho e foi até a cozinha.

Auxiliado com tanto amparo pela sorte, o senhor Anselmo conseguira (sempre para consolo seu) erguer o espírito às considerações filosóficas que, sem lhe arranharem a fé nos sentimentos honestos, profundamente enraizados no seu coração, haviam-lhe roubado o conforto de esperar naquele Deus que conforta e recompensa no Além. E, sem conseguir acreditar em Deus, não podia consequentemente acreditar, como gostaria, num diabinho brincalhão que se lhe tivesse escondido no corpo e se divertisse a rir todas as noites, para originar as mais tristes suspeitas no espírito da ciumenta mulher.

O senhor Anselmo estava certo, certíssimo, de jamais ter tido um sonho que pudesse provocar tantas gargalhadas. Logo ele, que nem sonhava! Nunca sonhava! Todas as noites, à hora de costume, caía num sono de chumbo, negro, pesado e profundíssimo, cujo acordar lhe custava um esforço tão grande e um tão grande sofrimento! As pálpebras pesavam-lhe como duas lousas de túmulos.

Logo, a se excluir o diabo, a se excluírem os sonhos, não restava outra explicação para aquelas gargalhadas senão alguma doença nova e desconhecida. Talvez uma convulsão das vísceras, que se manifestava no sonoro sobressalto das gargalhadas.

No dia seguinte resolveu consultar o jovem médico especialista em doenças nervosas que vinha atender a mulher em casa, dia sim, dia não. Além do conhecimento, este jovem médico especialista creditava aos clientes os cabelos loiros que pelo excesso de estudo lhe ficaram precocemente caídos, e a vista que, pela mesmíssima razão, também se lhe enfraquecera precocemente. E além das doenças nervosas, tinha uma outra especialização que oferecia porém de graça aos senhores pacientes: os olhos, atrás dos óculos, de diferentes cores: um amarelo e outro verde. Fechava o amarelo, piscava o verde e explicava tudo. Ah, tudo explicava com uma clareza maravilhosa, a fim de dar aos senhores pacientes, mesmo que no caso de morrerem, uma total satisfação.

— Me diga, doutor, é possível acontecer que uma pessoa, durante o sono, e sem sonhar, se ponha a rir? Rir alto, entende? Uma senhora gargalhada...

O jovem médico pôs-se a expor-lhe as mais recentes e adiantadas teorias sobre o sono e os sonhos. Falou cerca de meia hora, recheando o discurso daquela terminologia grega que dá um ar respeitável à profissão do médico, e finalmente concluiu que — não — não era possível. Sem sonhar, impossível rir daquela maneira durante o sono.

— Mas eu juro, senhor doutor, que não sonho mesmo, não sonho, nunca sonhei! — exclamou irritado o senhor Anselmo, notando o sorriso sardônico com que a mulher recebera a conclusão do médico.

— Não é possível, acredite. É o que lhe parece — acrescentou ele, fechando de novo o olho amarelo e piscando o verde.

— É o que lhe parece... Mas o senhor sonha, sim. Com toda a certeza. Só que não se lembra, porque tem um sono profundo. Normalmente, como já lhe expliquei, nós só nos lembramos sonhos que temos quando, digamos, os véus do sono se tornam mais tênues.

— Quer dizer então que eu rio dos sonhos que tenho?

— Sem dúvida. Sonha coisas alegres e ri.

— Que azar! — deixou escapar o senhor Anselmo. — Quero dizer, estar alegre, pelo menos no sonho, senhor doutor, e não saber... Porque eu juro que nada sei de sonhos. A minha mulher me sacode, me grita "Você está rindo!", e eu fico apatetado olhando pra ela porque não sei que estou rindo nem do que estou rindo.

* * *

Mas eis que agora ele entendia. Finalmente entendia. Sim, sim. Devia ser aquilo mesmo. Providencialmente a natureza, às escondidas no sono, o ajudava. Mal ele fechava os olhos à cena de suas misérias, a natureza ali pousava e despojava-lhe o espírito de todas as sombrias tristezas, conduzindo-o, leve, leve como uma pluma, pelos arejados caminhos dos sonhos mais aprazíveis. Negava-lhe, era verdade, e cruelmente, a lembrança de sabe-se lá que delícias hilariantes mas, sem dúvida, que o compensava de certo modo, restaurando-lhe inconscientemente a mente, para no dia seguinte estar pronto para suportar os trabalhos e as adversidades da sorte.

E agora, ao voltar do escritório, o senhor Anselmo sentava-se com Suzie ao colo, ela que tão bem sabia imitar a gargalhada de todas as noites, de tanto ter escutado a avó repeti-la, e acariciava-lhe o rostinho murcho e perguntava-lhe:

— Suzie, como é que o vovô ri? Hein, minha querida, quero escutar minha própria gargalhada.

E jogando a cabeça pra trás e mostrando o gracioso pescocinho de raquítica, Suzie irrompia numa alegre gargalhada, demorada, plena, cordial.

O senhor Anselmo escutava-a, feliz, saboreando-a, embora com as lágrimas querendo cair no pescocinho da garota, e abanando a cabeça e olhando para fora, através da janela, suspirava:

— Nem imagine como sou feliz, Suzie! Nem imagine como sou feliz no sonho, quando estou rindo assim.

Infelizmente, até mesmo esta ilusão o senhor Anselmo teria de perder. Aconteceu-lhe uma vez, por acaso, de lembrar um dos sonhos que tanto o faziam rir todas as noites. Ele via uma enorme escadaria por onde subia com muita dificuldade, apoiando-se numa bengala, um certo Torella, seu velho colega de escritório, que tinha as pernas tortas. Atrás do Torella, subia ligeiro o seu chefe de seção, o "cavaleiro" Ridotti, que se divertia malvadamente batendo com sua bengala na bengala de Torella, o qual, devido às pernas tortas, tinha grande necessidade de se apolar nela. Finalmente, o pobre Torella, não aguentando mais, curvava-se e agarrava-se com as duas mãos no degrau de cima da escada e pôs-se a dar coices como uma mula no cavaleiro Ridotti. Este ria, sarcástico, e habilmente evitando os coices, ensaiava enfiar a ponta da sua cruel bengala no traseiro desnudo do pobre Torella, ali mesmo no meio, o que finalmente conseguia.

Diante de tal visão, o senhor Anselmo, ao acordar com o riso travado nos lábios, sentiu a alma cair-lhe aos pés. Ah, Deus, era daquilo que ele ria? De tais tolices?

Contraiu a boca numa careta de profunda repugnância o lançou o olhar à sua frente.

Era daquilo que ele ria! Era então aquela a felicidade toda que pensava gozar durante os sonhos! Ah, Deus... Ah, Deus... E então o espírito filosófico que lhe falava interiormente há anos, também desta vez veio em seu auxílio e demonstrou-lhe que, claro, era mais do que natural que risse de coisas estúpidas. Queria ele rir de quê? Na sua situação, era preciso se tornar estúpido para ter vontade de rir. Caso contrário, como poderia rir?

Fonte:
Flávio Moreira da Costa. Viver de Rir II. RJ: Record, 1997.

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