sexta-feira, 19 de junho de 2020

Gustavo Barroso (O Batizado)


Entre as várias anedotas de caráter regionalista, que correm pelo sertão, ouvi, quando menino, centenas de vezes a seguinte:

Um vaqueiro foi à cidade de Quixeramobim, batizar uma filha de meses. Quando o padre lhe perguntou, junto à pia, qual o nome da menina, respondeu sem pestanejar, diante do espanto da assistência:

- Onça!

O sacerdote sacudiu a cabeça, pôs-lhe carinhosamente a mão no ombro, e disse-lhe que aquele nome era de um bicho feroz e não ficava bem numa criança, que, quando ficasse moça, seria alvo de risotas e chalaças, por causa do seu apelido.

- Mas eu quero! insistiu o vaqueiro.

O religioso fez outras considerações, a fim de demovê-lo, e terminou perguntando:

- Já viu alguém com nome de fera?

O matuto retorquiu, embatucando-o:

- E o Santo Padre não se chama Leão? Por que minha filha não se pode chamar Onça?

Esta historieta, que parece autóctone, é simplesmente a variante de um reconto peninsular europeu. Pode-se encontrá-la em outras regiões da América e em outra língua. Eu a li no curioso livro do grande escritor peruano Ricardo Palma - Mis últimas tradiciones:

"Tratava-se de cristianizar a um menino, e antes de leva-lo ao batismo, o cura apontava, na sacristia, os dados que consignaria mais tarde no livro paroquial.

- Que nome poremos ao menino?

- Por mim - contestou o pai, - ponha-lhe você Tigre.

- Não pode ser - arguiu o pároco.

- Pois então, ponha-lhe você Búfalo ou Rinoceronte.

- Tampouco pode ser! Esses são nomes de animais e não de cristãos.

- Não enrole, padre! Como o Papa se chama Leão?"

Esse pequeno conto, europeu de nascença, deu, entretanto, origem a um que é a expressão mais perfeita do espírito sertanejo do Nordeste. Vejamo-lo:

Ao perguntar-lhe o padre que nome queria pôr ao filho, já nos braços da madrinha, ao pé da pia, um vaqueiro lhe respondeu:

- Não sei bem, não, senhor; mas desejava um nome grande e bonito, um nome de encher a boca.

- Alexandre? lembrou o vigário.

- Não, senhor.

- Napoleão?

- Não serve, não, senhor.

- Heliodoro?

- Também não serve, seu padre.

- Então que nome há de ser?

O vaqueiro hesitou instantes e, depois, torturando nas mãos a aba do chapéu:

- Seu vigário, eu quero um nome que encha a boca da gente, um nome, assim como este, que ouvi outro dia: Amancebado!

Fonte:
Gustavo Barroso. O sertão e o mundo. RJ: Livraria Leite Ribeiro, 1923.
Obs.: A parte do conto peruano na versão original no livro de Gustavo Barroso está em castelhano, versão para o português por José Feldman.

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