TIA VERUSCA OLHOU PARA A SOBRINHA de seis anos que dormia como um anjinho e comentou com Godofredo, seu marido:
– Olhe só para a Luma, veja que menina linda!
– Puxou ao pai.
– Mas, em compensação, espoleta igual a ela está por nascer...
– Puxou à mãe.
– Já percebeu um sorriso sempre alegre bailando em seu rostinho largo?
– Puxou ao pai.
– E os pezinhos? Que fofura!
– Puxou à mãe.
– Os olhos verdes são meus.
– Qual o quê! Puxou ao pai.
– Os cabelos encaracolados... As sobrancelhas...
– Puxou à mãe.
– Mentirosa! Já aprendeu a mentir, a espertinha...
– Puxou ao pai.
– Carinhosa, delicada, meiga...
– Puxou à mãe.
– Emburra, fecha a cara quando a babá põe na mamadeira leite frio com chocolate. Ela odeia.
– Puxou ao pai...
– Nesse ponto concordo com você: chata para comer igual ao Tião, está por existir...
– Puxou à mãe.
– Engraçadinho, você. Puxou ao pai, puxou à mãe. E a tia? Será que Luma não tem nada de mim?
– Acertou em cheio. Nada. Puxou à mãe.
– Dorminhoca!
– Puxou ao pai.
– Aprendeu a contar historinhas.
– Puxou à mãe.
– Não gosta de tomar banho, igual o tio chato...
– Um a zero para você: nisso ela puxou ao pai.
– Estudiosa. Só recebe elogios da professora.
– Puxou à mãe.
– Tem um problema: gosta de bater nas coleguinhas.
– Puxou ao pai.
– O Tião vivia dando porradas nos amiguinhos?
– Quase que diariamente. Puxou à mãe.
– O quê?
– Puxou à mãe, eu disse.
– Vira o disco. Deixe de ser asqueroso.
– Puxei a você.
A mulher ficou furiosa com essa conversa furada e cansativa do marido que não saía do: “puxou à mãe, puxou ao pai”. Estava de saco cheio. Partiu para cima do sujeito e acabou acertando uma unhada que deixou uma marca enorme no lado esquerdo de seu rosto. A briga dos dois despertou a pequena Luma que dormia tranquilamente ao lado num sofá de canto de sala. A jovenzinha acordou braba e ainda por cima chorando. A babá veio lá de dentro. A mãe e o pai também.
– Que foi que aconteceu? Que arranhão é esse na sua cara, mano?
– A Verusca.
– Eu sabia: puxou nosso pai.
– Até você, mana?
– E não gosta que lhe chamem a atenção: puxou a mãe.
A confusão recomeçou, desta vez mais acirrada
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. As mentiras que as mulheres gostam de ouvir. RJ: Editora AMCGuedes, 2013. Ebook enviado pelo autor.
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