quinta-feira, 11 de junho de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Emperrado)


TIA VERUSCA OLHOU PARA A SOBRINHA de seis anos que dormia como um anjinho e comentou com Godofredo, seu marido:

– Olhe só para a Luma, veja que menina linda!

– Puxou ao pai.

– Mas, em compensação, espoleta igual a ela está por nascer...

– Puxou à mãe.

– Já percebeu um sorriso sempre alegre bailando em seu rostinho largo?

– Puxou ao pai.

– E os pezinhos? Que fofura!

– Puxou à mãe.

– Os olhos verdes são meus.

– Qual o quê! Puxou ao pai.

– Os cabelos encaracolados... As sobrancelhas...

– Puxou à mãe.

– Mentirosa! Já aprendeu a mentir, a espertinha...

– Puxou ao pai.

– Carinhosa, delicada, meiga...

– Puxou à mãe.

– Emburra, fecha a cara quando a babá põe na mamadeira leite frio com chocolate. Ela odeia.

– Puxou ao pai...

– Nesse ponto concordo com você: chata para comer igual ao Tião, está por existir...

– Puxou à mãe.

– Engraçadinho, você. Puxou ao pai, puxou à mãe. E a tia? Será que Luma não tem nada de mim?

– Acertou em cheio. Nada. Puxou à mãe.

– Dorminhoca!

– Puxou ao pai.

– Aprendeu a contar historinhas.

– Puxou à mãe.

– Não gosta de tomar banho, igual o tio chato...

– Um a zero para você: nisso ela puxou ao pai.

– Estudiosa. Só recebe elogios da professora.

– Puxou à mãe.

– Tem um problema: gosta de bater nas coleguinhas.

– Puxou ao pai.

– O Tião vivia dando porradas nos amiguinhos?

– Quase que diariamente. Puxou à mãe.

– O quê?

– Puxou à mãe, eu disse.

– Vira o disco. Deixe de ser asqueroso.

– Puxei a você.

A mulher ficou furiosa com essa conversa furada e cansativa do marido que não saía do: “puxou à mãe, puxou ao pai”. Estava de saco cheio. Partiu para cima do sujeito e acabou acertando uma unhada que deixou uma marca enorme no lado esquerdo de seu rosto. A briga dos dois despertou a pequena Luma que dormia tranquilamente ao lado num sofá de canto de sala. A jovenzinha acordou braba e ainda por cima chorando. A babá veio lá de dentro. A mãe e o pai também.

– Que foi que aconteceu? Que arranhão é esse na sua cara, mano?

– A Verusca.

– Eu sabia: puxou nosso pai.

– Até você, mana?

– E não gosta que lhe chamem a atenção: puxou a mãe.

A confusão recomeçou, desta vez mais acirrada

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. As mentiras que as mulheres gostam de ouvir. RJ: Editora AMCGuedes, 2013.  Ebook enviado pelo autor.

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