terça-feira, 23 de junho de 2020

A Literatura Portuguesa (Trovadorismo) II


CANTIGAS DE AMIGO


As cantigas de amigo focalizam o outro lado da relação amorosa entre ele e uma dama: o fulcro do poema é agora representado pelo sofrimento amoroso da mulher, em geral pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas, etc.). O drama é  o da mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o trovador.

Massaud Moisés diz que o “(...) trovador vive uma dualidade amorosa, de onde extrai as duas formas de lirismo amoroso próprias da época: e o espírito, dirige-se à dama aristocrática; com os sentidos, à camponesa ou à pastora. Por isso, pode expressar autenticamente os dois tipos de experiência passional, enquanto ele próprio, e enquanto a mulher que por ele desgraçadamente se apaixona. É digno de nota que essa ambiguidade, extremamente curiosa ainda como psicologia literária ou das relações humanas, não existiu antes do trovadorismo nem jamais se repetiu depois”.

O “eu-lírico” (quem fala) é a própria mulher, dirigindo-se em confissão à mãe, às amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos. O tema da confissão é sempre uma paixão não correspondida, mas a que ela se entrega de corpo e alma.

Traduz um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher, e um sentimento don juanesco e egoísta por parte do homem, que geralmente está “(...) no fossado ou no bafordo, isto é, no serviço militar ou no exercício de armas. Por isso, a palavra amigo pode significar namorado e amante”.

Trata-se de uma poesia de caráter narrativo descritivo e se classifica de acordo com o lugar geográfico e as circunstâncias em que decorrem os acontecimentos (serranilha, pastorela, barcarola, bailada, romaria, alva ou alvorada - surpreende os amantes no despertar dum novo dia, depois de uma noite de amor).

CANTIGAS DE ESCARNIO E DE MALDIZER

A Cantiga de Escárnio revela uma sátira que só constrói indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando palavras ambíguas, de duplo sentido.

Na Cantiga de Maldizer, a sátira é feita diretamente, com agressividade, com palavras chulas e muitas vezes obscenas. Em geral escritas “(...) pelos mesmos trovadores que compunham poesia lírico-amorosa, expressaram, como é fácil depreender, o modo de sentir e de viver próprio de ambientes dissolutos, e acabaram por ser canções de vida boêmia (...) poesia “forte", descambando para a pornografia ou o mau gosto, possui escasso valor estético, mas em contrapartida documenta os meios populares do tempo, na sua linguagem e nos seus costumes, com uma fragrância de reportagem viva”.

Em geral, cultivadas por jograis de “má vida”, eram acompanhadas pelas soldadeiras (= mulheres a soldo), cantadeiras e bailadeiras, de vida dissoluta que faziam coro com as “chulices” presentes nas letras das canções.

CANCIONEIROS

Cancioneiros são coletâneas de canções, compiladas por ordem e graça de algum mecena ou soberano. Dos vários cancioneiros que existiram, três merecem destaque:

1) Cancioneiro da Ajuda, composto no reinado de Afonso III (fins do século XIII), o que exclui a contribuição de D. Dinis (reinou entre 1268 e 1325 e foi chamado Rei Trovador); contém 310 cantigas, quase todas de amor;

2) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (também chamado Colocci-Brancuti, homenagem a seus dois possuidores italianos, dos quais Brancuti foi o último), é, uma cópia italiana do século XVI, possivelmente de original do século anterior; contém 1647 cantigas, de todos os tipos, e engloba trovadores dos reinados de Afonso III e de D. Dinis;

3) Cancioneiro da Vaticana (o nome lhe vem de ter sido descoberto na Biblioteca do Vaticano, em Roma), também cópia italiana do século XVI, de original do século anterior, inclui 1205 cantigas de escárnio e de maldizer, de amor e de amigo.

PRINCIPAIS TROVADORES

Massaud Moisés destaca como principais trovadores:

– João Soares de Paiva, considerado o mais antigo, nascido em 1141.
– Paio Soares de Taveirós, autor da cantiga mais antiga de que se tem registro.
– D. Dinis, autor de aproximadamente 140 cantigas, entre líricas e satíricas.
– João Garcia de Guilhade escreveu 54 composições líricas e satíricas. Considerado um dos mais originais trovadores do século XIII.
– Martim Codax, trovador da época de Afonso III, escreveu 7 cantigas de amigo, as quais tem o mérito de constituir as únicas peças da lírica trovadoresca cuja pauta musical permaneceu até hoje.

Outros trovadores: Afonso Sanches, Aires Corpancho, Nuno Fernandes Torneol, Bernardo Bonaval, Aires Nunes, João Zorro, etc.

TERMINOLOGIA POÉTICA

A poesia medieval utilizava requintados recursos formais, apesar da aparência primitiva, espontânea e de ser composta para ser cantada, com regras e estruturas peculiares.

Cantigas de atafinda ou de maestria, cantigas nas quais ocorre o que chamamos hoje de encadeamento, ou “enjambement”, que consiste na continuação da idéia de um verso no verso seguinte, estabelecendo uma ligação de sentido entre os versos. Esse esquema de organização das cantigas é considerado mais difícil e intelectualizado, por nele não ocorrer o recurso do refrão. Acontece mais comumente nas cantigas de amor.

Cantigas paralelísticas, cantigas nas quais ocorre o paralelismo, recurso que consiste na repetição de vocábulos, na forma de sinônimos, no decorrer da cantiga.

Cantigas de refrão, estrutura típica da poesia popular, na qual ocorre a presença do refrão, verso ou par de versos que se repete após cada estrofe (que era chamada de cobra, cobla ou talho, de acordo com a Poética Fragmentária). O recurso do paralelismo e do refrão ocorre mais freqüentemente nas cantigas de amigo e às vezes de amor.

Tenções, também chamadas cantigas dialogadas por apresentarem diálogos, ou seja, alternância entre as vozes de interlocutores na cantiga. Ocorre principalmente nas cantigas de amigo.

Além dos trovadores, havia outros tipos de artistas envolvidos nas manifestações artístico-literárias da época, como os segréis, os jograis e os menestréis.

Simplificando, o trovador era o artista completo, compunha, cantava e podia instrumentar as cantigas; as mais das vezes, era fidalgo decaído.

Jogral era uma designação menos precisa: podia referir ao saltimbanco, o truão, o ator mímico, o músico e até mesmo aquele que compunha suas melodias; de classe social inferior, por seus méritos podia subir socialmente e ser classificado como trovador.

Segrel designava um artista de controvertida condição colocado entre o jogral e o trovador, era o trovador profissional, que ia de Corte a Corte interpretando cantigas próprias ou não, a troco de soldo.

Menestrel era como se chamava o músico e cantor da Corte.

continua…

Fontes:
Massaud Moisés. A LITERATURA PORTUGUESA. São Paulo: Cultrix, 2008.
Teófilo Braga. História da literatura portuguesa – Renascença. Lisboa: INCM, 2005. v. 2
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