sexta-feira, 5 de junho de 2020

Helena Kolody (Poemas Avulsos) 1


A LÁGRIMA

Oh! lágrima cristalina
Tão salgada e pequenina
Quanta dor tu redimes
Mesmo feita de amarguras
És tão sublime tão pura
Que só virtudes exprimes.
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LIÇÃO

A luz da lamparina dançava
frente ao ícone da Santíssima Trindade.
Paciente, a avó ensinava
a prostrar-se em reverência,
persignar-se com três dedos
e rezar em língua eslava.
De mãos postas, a menina
fielmente repetia
palavras que ela ignorava,
mas Deus entendia.
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SONHAR


Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço
Num voo poderoso e audaz da fantasia.
Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante Paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar constantemente o olhar ao céu profundo.
Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
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MÚSICA SUBMERSA



Não quero ser o grande rio caudaloso
Que figura nos mapas.
Quero ser o cristalino fio d’água
Que canta e murmura
Na mata silenciosa.
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NAVEGANTE
 

Navegou
no veleiro dos livros.

Desembarcou
e conferiu.

E o mundo que viu
não era o que imaginou.
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INFÂNCIA


Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!
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PELOS BAIRROS ESQUECIDOS


Pelos bairros esquecidos,
tantos passos,
tantos risos,
tantos sonhos perdidos!
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DOM

Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

Fontes:
Helena Kolody. A Sombra no Rio; Ontem Agora; Poesia Mínima; Poesias Escolhidas; Sempre Palavra; Viagem no Espelho.

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