Chapelinho de palha de grandes abas e de grandes fitas atirado para a nuca e preso ao queixo, em baixo, por um elástico de seda que lhe flagiciava as carnezinhas tenras; calcinha pelo joelho, cinto de mulher e bengalinha à mão, vai o Antoniquinho, com os seus três anos de idade, pela rua Gonçalves Dias, arrebatado pela pressa elegante da sua mamãe.
Seguro pela mão esquerda, com a bengalinha na direita, debalde procura o pequenito deter-se diante das vitrinas, para ver os manequins, os macacos de veludo, os ursos de pelúcia, os cavalinhos de pau, as coisas galantes ou vistosas que lhe encantam os olhos. A boquita quase do tamanho do pipo de borracha de que prescindira no ano anterior, não se cansa de papaguear. As suas perguntas, que são as mais ingênuas e atrapalhantes, ficam, porém, sem resposta. D. Odette vai, apressada, sem saber mesmo o motivo, e não pode prestar atenção, ao mesmo tempo, à gentileza dos conhecidos, que a saúdam atenciosos, e à insaciável curiosidade do Antonico.
De repente, com a atenção despertada por um rico vestido de passeio, a moça estaca, sem abandonar a mão do pequeno, diante de um mostruário de modista. Desinteressado das modas, Antonico prefere olhar uma vitrina da casa de flores e aves, que fica ao lado, e em que se vê, perto de um casal de grandes galinhas pretas, alguns ovos de raça. Sem outra coisa a perguntar no momento, o pirralho ergue os olhos muito negros e muito vivos, indagando, em voz cantada e doce, como a de um anjo:
- Mamãe, galinha preta põe ovo branco?
D. Odete não lhe responde; toma-lhe da mãozinha tenra, miúda como um jasmim, e parte, de novo, apressada. Adiante, porém, com a rapidez da marcha, Antonico atrapalha-se com a sua bengala de dois palmos de cumprimento, enfia-a entre as perninhas nuas, tropeça, rodopia, e vai ao chão, esfregando os joelhinhos no asfalto. Vem-lhe uma vontade de chorar, mais do susto do que da queda. O beicito treme, abotoando num cravo. D. Odete prevê, porém, o berreiro, suspende-o do solo pela mão, e infunde-lhe coragem, ânimo, dignidade, sacudindo-lhe com o lenço o joelhinho escoriado:
- Não chore, meu filho, não chore!
E sem dar pelo que dizia:
- Seja "homem", como sua mãe!
Fonte:
Humberto de Campos. Serpente de Bronze.
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