sábado, 27 de junho de 2020

Figueiredo Pimentel (O Sargento Verde)



Formosa, elegante, bem prendada, era Carolina, filha dum importante capitalista, que vivia na cidade do Ouro.

Um dia, apresentou-se no palacete paterno um moço muito bem apessoado, que vinha pedi-la em casamento. A rapariga exultou de alegria; e, com grande satisfação dos pais aceitou-o.

Marcaram o dia das núpcias.

À noite, enquanto os convidados dançavam e folgavam, N. S. da Conceição, que era madrinha de Carolina, apareceu-lhe, e disse-lhe:

– Minha filha: fica sabendo que te casaste com o diabo, metido na figura desse bonito moço. Não faz mal, porém. Logo mais, ele há de te levar para casa. Deves, então, dizer a teu pai, que queres ir montada no cavalo mais magro e mais feio que aqui houver. Quando chegares à encruzilhada do caminho, teu marido há de tomar a direita; tu tomarás a esquerda, mostrando-lhe o teu rosário. Verás, então, o que acontecerá.

Perto da meia-noite, o marido manifestou desejos de se retirar, mandando selar os cavalos. Para Carolina veio um esplêndido alazão, muito gordo e lustroso. A moça, porém, recusou-o, declarando que só montaria no animal mais feio, magro e lazarento que houvesse na estrebaria.

O pai admirou-se muito daquele pedido, mas acedeu aos desejos da filha.

Os noivos cavalgaram e partiram.

Chegando ao lugar em que a estrada fazia uma cruz, o demônio quis que a moça tomasse a direita, e fosse adiante.

– Não! Vá você na frente, que sabe o caminho de sua casa. Eu nunca fui lá, respondeu Carolina sem mais demora.

Tomou a esquerda, e mostrou-lhe o rosário.

Ouviu-se, então, um grande berro, que o diabo soltou. A terra abriu-se. Sentiu-se forte cheiro de enxofre, e o demônio sumiu-se para as profundezas do inferno.

Carolina disparou o cavalo, até chegar muito longe. Aí, cortou os cabelos, e vestiu uma roupa de homem – calça, colete e paletó, feitos de uma fazenda verde, completamente verde.

Continuou a viagem, e chegou à capital do reino, onde foi servir no exército. Sendo promovida, pouco depois, ao posto de sargento, ficou sendo conhecida por sargento Verde.

O rei, ao ver aquele formoso inferior das suas guardas, tomou-lhe grande amizade, e destacou-o para sua ordenança particular, querendo-o sempre em sua companhia.

A rainha apaixonou-se por ele; e tentou seduzi-lo, chegando mesmo a propor-lhe casamento, porque naquele país toda a gente podia casar-se quantas vezes quisesse. No entanto, o sargento Verde recusou trair o seu soberano.

Em vista disso, a rainha foi ao marido e disse-lhe:

– Saiba vossa majestade que o sargento Verde declarou ser capaz de subir e descer as escadas do palácio, montado no seu cavalo, a toda a brida, dançando e atirando ao ar três ovos, e aparando-os, sem que nenhum deles caia e se quebre.

O rei mandou chamá-lo e perguntou se era verdade aquilo.

– Eu não disse tal coisa, real senhor! Mas como a rainha, minha senhora, o afirmou, vou tentar fazê-lo.

O sargento Verde saiu dali muito triste, e sentou-se à porta da casinha que lhe haviam dado para morar, quando seu cavalo o sossegou, dizendo:

– Não tenha receio. No dia marcado, faça o que tem de fazer.

Assim sucedeu; e a rainha ficou desesperada, vendo-o executar fielmente o que ela havia inventado
***

Algum tempo depois, ela tentou novamente seduzi-lo; mas, como da primeira vez, ele não quis atraiçoar o rei.

– Saiba vossa majestade que o sargento Verde disse ser capaz de plantar uma laranjeira pequenina, à hora do almoço e que, à hora do jantar, já estará carregada de laranjas.

O rei chamou-o, e mandou fazer aquele milagre, e tendo o sargento consultado o seu cavalo, conseguiu executá-lo, com grande mágoa da rainha, que queria vê-lo enforcado.

Mas a perversa criatura nem por isso cessou de persegui-lo; e, pela terceira vez, dirigiu-se ao rei:

– Saiba vossa majestade que o sargento Verde declarou ser capaz de ir ao fundo do mar, e tirar a princesa, que ali está encantada.

Carolina, dessa vez, quase morreu de desânimo, julgando impossível sair-se bem daquela dificílima empresa.

O cavalo, porém, acalmou-a, aconselhando:

– Muna-se a senhora de um garrafão de azeite, um punhado de cinza e um agulheiro. Monte em mim; chegue à praia, e, com a espada corte as ondas em cruz, que as águas hão de se abrir. Entre pelo mar adentro, chegará à caverna, onde jaz a princesa encantada. Aí encontrará um dragão marinho, que guarda a moça. Roube-a, monte-a na garupa, e corra a todo galope. O monstro há de persegui-la. Assim que estiver quase a nos pegar, derrame primeiro o azeite, depois a cinza e, por último, o agulheiro.

Carolina procedeu como lhe ensinara o cavalo. Entrou no mar, raptou a princesa, e partiu a toda velocidade.

O dragão marinho perseguiu-a. Quando ia quase pegando-a, ela derramou o garrafão de azeite, formou-se uma grande lagoa, onde o dragão se meteu, quase se afundando.

Conseguiu, finalmente, vencer o primeiro obstáculo, e seguiu no encalço dos fugitivos. Ia novamente alcançá-los. Carolina despejou a cinza. Formou-se um nevoeiro espesso atrás dela, como se fosse uma montanha.

O monstro, depois de inúmeras dificuldades, passou e voou. Ia quase pega não pega o sargento Verde, quando este espalhou o agulheiro. Apareceu uma cerca de espinhos, que entraram no corpo do dragão marinho, matando-o logo.

Chegando ao palácio, o sargento Verde contou a sua história, e voltou a ser a formosa Carolina.

A rainha foi condenada à morte, para castigo das suas diversas mentiras.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.

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