terça-feira, 23 de junho de 2020

Altino Afonso Costa (Minhas Mãos)


Quem viu minhas mãos macias, juvenis, ágeis, tecendo as coisas da vida, e hoje as vê escuras, pigmentadas, com a pele enrugada pelo tempo, exibindo veias saltadas, esclerosadas, denunciando a decadência dos tecidos, não consegue imaginar as mãos trêmulas e cansadas que afaguei como médico, aliviando as dores alheias e colocando um pouco de calor humano em mãos desesperadas.

Passei a minha vida inteira com roupas brancas, andando pelos corredores dos hospitais e da vida, calcando o chão apressadamente com meus sapatos brancos, levando alívio e consolo aos que sofriam as dores do corpo e as angústias da alma.

Não conseguirei repousar, enquanto não vier o último instante, que aguardo com temor e ansiedade, na obscuridade que já vislumbro.

Estado de solidão, caminho que não tem fim; horizonte que se afasta cada vez mais, numa fuga que não tem razão de ser.

Quem viu minhas mãos e as vê agora, num gesto de pedir solidariedade, não sabe que a vida é um eterno entrelaçar dos dedos, que procuram quebrar a solidão e não conseguem.

Essas mãos que só servirão daqui a pouco para pedir proteção aos que passarem pelo meu caminho, num gesto de adeus tardio, enquanto a tarde cai e a noite não tarda a chegar, para o longo ocaso e o abraço misterioso do grande silêncio...

Fonte:
Altino Afonso Costa. Buquê de estrelas: crônicas e poemas. Paranavaí/PR: Olímpica, 2001.
Livro gentilmente enviado por Dinair Leite.

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