sexta-feira, 12 de junho de 2020

Edy Soares (Cristais Poéticos) II


AMARRAS

E então eu me emaranhei
Nos espinhos da flor que beijei,
Da flor que me ganha,
Que me arranha,
Que me banha de amor.
Da flor que me enobrece,
Calor que me aquece,
Perfume que me acompanha
Onde eu for.
Que embriaga minha alma,
Afaga-me e me acalma
Enfatizando o sabor
Dos beijos que ganho,
Aí, eu me assanho
E me entrego a esse amor.
E então eu me perco
Nos caminhos que mais desejei.
E então me emaranho e me arranho
Nas amarras de onde jamais escapei.
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MÃE TERRA


No conforto do teu colo,
Na superfície do teu solo,
Minha alma descansará
Calma e mansa.

Eu que não irei por completo,
Eterno enamorado e discreto,
Deixarei pra ti meus versos
Como herança.

Na onda que cambaleia,
Na folha que vagueia,
No galope de uma criança
Ou canto do passarinho,
No filhote que larga o ninho,
Terás de mim lembranças.
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MÁQUINA DO TEMPO

Vou inventar a máquina do tempo.
Vou voltar e fazer tudo outra vez.
Quero ter certeza de que meus erros e acertos
Foram os alicerces da minha lucidez.

Não repudio um só minuto vivido.
Não tenho dúvidas de que tenho muito a caminhar,
Mas cada pedra, que lapidei com tropeços,
Foram as mesmas que pisei pra escalar.

A montanha é íngreme. Eu bem sei,
Que chegarei lá no topo, nunca duvidei!
Cicatrizes nos punhos e pés vão ficar.

Mas se os rumos que tomei foram incertos,
Se, troquei águas claras por oásis no deserto,
Faria tudo de novo, se tivesse que recomeçar.
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MEIA TAÇA

Da taça de vinho que deixaste sobra,
Deverias ter tomado o ultimo gole.
Pois os lábios úmidos se secaram
E buscam desesperados por saciar
A sede que ainda perdura.
Choras pelo pecado não cometido,
Pedes perdão por não teres pecado,
Arrependes, pois não tomou todo o vinho,
Amaldiçoas a sobriedade,
Por não ter-te embriagado.
Vinho envelhecido tem sempre valor
E conserva, quando bem guardado, seu teor
Mas se aberto, bebe-se todo
Ou perde-se o sabor quando não for bem selado.
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0 POETA
Fiquei velho...
Coitadinha da roseira,
Fiel companheira
Que enfeitava meu jardim.

Por falta d'água,
Com sede hoje definha
E as trepadeiras da casinha
Nem tem força pra florir.

E a mocinha,
Debruçada na janela,
Parecia Cinderela
Esperando um buquê.

Eu, pobre homem,
Simplesmente jardineiro,
Desprovido de dinheiro,
Não podia a merecer.

Colhia rosas,
Oferecia a outra Rosa,
Linda menina cheirosa
Que inspirava o sonhador.

Passou o tempo,
Lembro ainda o apaixonado,
Jardineiro, hoje inspirado,
Simplesmente... Escritor.
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PROFANO

Pêndulo que pruma,
Pétala que espera,
Fusão de sussurros
No cio da fera.

Seca garganta,
A pele
Que inflama,
Que sua,
Se é sua
Ou minha
Mistura
Na cama.
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SOU PROSA

Sou prosa
Sem rima,
Sem rumo.

Sou nível
Sem bolha,
Sem prumo.

Sou letra,
Sou música
Sem verso.

Sem leito,
Sou limo
Da pedra.

Sou brilho
Da pedra
Que quebra.

Sou gente,
Sou pó
Dessa terra.

Fonte:
Edy Soares. Flores no deserto. Vila Velha/ES: Ed. do Autor, 2015.
Livro gentilmente enviado pelo autor.

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