O Valadares foi convidado pelos amigos da faculdade, para ir a um baile a fantasias que seria realizado naquele final de semana, numa pequena cidade perto de onde morava. Da sua casa, até o evento, precisaria pegar a rodovia e andar uns duzentos quilômetros. Assim pensando, achou por bem usar uma fantasia diferente, algo que, a seu modo de pensar, abafaria os colegas, fazendo com que todos olhassem para ele com um misto de admiração e espanto, notadamente as garotas. Na sexta-feira, foi ao shopping e alugou, numa loja especializada, algo sensacional. Uma fantasia do demônio. No dia aprazado, se vestiu, ou melhor, se fantasiou de diabo, com rabo, chifre, tridente, capa preta e tudo o que tinha direito o senhor das profundezas. Totalmente transformado, pegou seu carro por volta das dezoito horas e se pôs a caminho.
Como não conhecia bem o pequeno patrimônio onde a sua turma realizava o folguedo, e depois de rodar uns oitenta quilômetros, chegou a um cruzamento onde, além da BR principal, duas outras estradas secundárias se abriam para diferentes direções. Sem placas de indicação, assinalando onde se achava, ou por qual trilho se embrenhar, resolveu pegar a via de terra à direita. Menos de meio quilômetro, avistou, algumas luzes, certamente de residências. À medida que se aproximava, frenteou com uma torre de antena de transmissão de telefonia. Sorriu, faceiro. De repente, estava indo para o lugar certo, ou até já houvesse chegado. Deu de cara com uma comunidade pequena, onde se contava uma dúzia de casas ladeadas por uma única avenida principal toda paralelepipedeada. Parou o carro e resolveu pedir informações.
Aconteceu que, naquela hora, quase oito e pouco da noite, todos os habitantes assistiam a missa de domingo, com exceção de alguns gatos pingados, a maioria moradores sem teto que dormiam na pracinha e no coreto em frente a uma pequena paróquia. Valadares abordou uns três ou quatro casaiszinhos de namorados, entretanto, nenhum (talvez levados pela sua aparência macabra) soube, ou se prestou a indicar o vilarejo que buscava. Não lhe restou alternativa, se vendo obrigado a ingressar na igreja. De longe, enquanto caminhava para ela, percebeu que a peça religiosa estava superlotada. De fato, não se enganara. Nos sábados e domingos, o vigário costumava sair da rotina, se estendendo um pouco além, no sermão, visando, claro, o desfecho da liturgia, quando os coroinhas passariam as sacolas para a recolha das ofertas, que se tornavam gordas em face de um número de fiéis que se deslocavam de localidades às mais diversas, e também dos sítios e fazendas que abundavam àquelas redondezas.
Entretanto, o inesperado tomou forma gigantesca. Quando Valadares adentrou pela porta principal, com suas botas rangendo de modo esquisito, os presentes, ao olharem para trás, deram com a visão asselvajada da besta dos quintos em carne e osso. Literalmente o pacato culto religioso se transformou num “reboliço dos infernos”. Como num abrir e fechar de olhos, caiu sobre a paz acolhedora daquelas pessoas humildes, uma espécie de premonição, como se Deus tivesse anunciado o fim do mundo num Apocalipse abrupto.
Por conta desse imprevisto, uma parte da igreja saiu correndo pelas laterais, outra fração quebrou os vidros e pulou pelas janelas. Uma terceira corrente de amedrontados se debandou para a sacristia, fugindo pelos fundos. Mesmo norte, as beatas e os acólitos, não esperaram para ver o que viria pela frente. Igualmente tomadas pôr idêntico pânico, e no mais completo desespero, derrubaram, no furdunço, uma imagem de São Jorge com seu cavalo e tudo o que estava sendo restaurado dentro da sacristia. A barafunda se fez tão forte e pesada, tão densa e sem noção, que o dragão que se via fustigado pela lança do santo guerreiro, tratou de dar no pé, voltando, às pressas, para os confins da Capadócia.
Loucura total. Em questão de segundos, meio do pandemônio, restou o padre rezando e tremendo pior que caniço ao sabor da ventania, metido dentro da casinha do confessionário. “O diabo”, sem entender bulhufas, se aproximou do aterrorizado sacerdote. O sujeito, coitado, sem saída, se urinando todo e, aos prantos, as mãos em atitude de prece e, claro, não vendo escapatória para a sua desdita, olhou para o “capiroto” e implorou:
- Não me leve não, seu Capeta! Pelo amor do Pai Eterno... Tenha piedade desta pobre e humilde alma. Todo mundo aqui, o senhor pode perguntar... Todo mundo aqui está de prova que eu sou o único que defende o senhor.
Fonte:
Texto enviado pelo autor.
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