sábado, 20 de junho de 2020

A Literatura Portuguesa (Trovadorismo) I

Pela sua posição geográfica no mapa europeu, Portugal como se estivesse empurrado contra o mar, toda a sua história, literária e não, atesta o sentimento de busca um caminho que só ele representa e pode representar. Recebe influências exclusivas e marcantes tanto étnicas como culturais (árabes, germânicas, francesas, inglesas, etc.), e por essa razão gerou uma literatura com características próprias e permanentes, além da "fatalidade" de ser a Língua Portuguesa seu meio de comunicação, o que ajuda completar e explicar o quadro.

A Literatura Portuguesa reflete essa angústia geográfica: “o escritor português opta pela fuga ou pelo apego a terra, matriz de todas as inquietudes e confidente de todas as dores, centro de inspiração e nutridora de sonhos e esperanças. A fuga dá-se para o mar, o desconhecido, fonte de riqueza algumas vezes, de males incríveis e de emoção quase sempre; ou, transcendendo a estreiteza do solo físico, para o plano metafísico, à procura de visualizar numa dimensão universal e perene a inquietação particular e egocêntrica”.

Para Massaud Moisés, é uma literatura rica em poetas – Camões, Bocage, Antero, Fernando Pessoa, entre outros - “(...) A poesia é o melhor que oferece a Literatura Portuguesa, dividida entre o apelo metafísico, que significa a vivência e a expressão de problemas fundamentais e perenes (a existência ou não de Deus, o ser e o não-ser, a condição humana, s valores do espírito, etc.), e a atração amorosa da terra (representada por temas populares, folclóricos), ou um sentimento superficial, feito da confissão de estados de alma provocados pelos embates amorosos (...)”.

A riqueza da poesia contrasta com a pobreza do teatro que somente algumas poucas vezes saiu “do nível medíocre ou meramente razoável” através de Gil Vicente, Garrett e António José da Silva.

O romance decai após a morte de Eça de Queirós, em 1900. Voltando a viver uma época de esplendor após 1940, pela quantidade e qualidade de seus autores configura-se no ponto forte da literatura lusa. A crítica literária, como o teatro, pobre, somente nos últimos anos começa a despontar com vigor científico.

A Literatura Portuguesa nasceu quase simultaneamente com a nação. Em 1094, Afonso VI, Rei de Leão, um dos reinos em que a Península Ibérica era dividida (os outros: Castela, Aragão e Navarra), casa suas filhas, Urraca com o Conde Raimundo de Borgonha, e Teresa com D. Henrique. Ao primeiro genro, doa uma extensa região de terra correspondente à Galiza; ao segundo, o território compreendido entre o rio Minho e o Tejo, com o nome de "Condado Portucalense".

Após a morte de D. Henrique, D. Teresa assume o governo e se aproxima da Galiza. Seu filho, o Infante, Afonso Henriques, rebela-se contra a mãe e inicia uma revolução que culmina com a vitória dos revoltosos, na batalha de S. Mamede, nos arredores de Guimarães e o Infante é declarado seu soberano. Porém, somente em 1143, na Conferência de Samora, D. Afonso VII reconhece Afonso Henrique como rei. Portugal está politicamente autônomo.

A data utilizada como marco do início da Literatura Portuguesa é 1198 (ou 1189), quando o trovador Paio Soares de Taveirós compõe uma cantiga, Cantiga de Garvaia, palavra que designava um luxuoso manto de Corte, dedicada a Maria Pais Ribeiro também chamada A Ribeirinha, favorita de D. Sancho I. Tudo indica que já havia uma atividade literária anterior, porém desaparecida.

TROVADORISMO (1198-1418)

O Trovadorismo Português foi o movimento literário caracterizado por seu caráter popular, sem relação com a cultura da Antiguidade Clássica greco-latina. Era uma arte literária simples, voltada para o entretenimento, e devido a essa simplicidade e natureza popular tem a preferência pelo idioma galaico-português em vez de latim, que era a língua da literatura erudita da época. Recebe considerável influência da cultura provençal, através dos artistas nômades oriundos daquela região que chegaram na Península Ibérica naquela época. A lírica trovadoresca teve grande força na França naquela época, e sua influência acabou se espalhando por vários países da Europa.

Massaud Moisés destaca quatro teses para origem da poesia trovadoresca:

1) A tese arábica. Relaciona a poesia trovadoresca à cultura árabe em virtude das invasões mouras na Península Ibérica.

2) A tese popular ou folclórica. Segundo essa linha de estudo a poesia trovadoresca foi uma manifestação literária “espontânea”, surgida naturalmente a partir das manifestações e cultura do povo da época.

3) A tese médio-latinista. A poesia trovadoresca teria se originado a partir da literatura latina produzida na Idade Média. Essa literatura teria chegado na Península Ibérica e influenciado a produção literária local.

4) A tese litúrgica. A poesia trovadoresca surgiu a partir da literatura cristã/sacra da época.

Entretanto, parece que nenhuma das teses citadas acima é suficiente para determinar com certeza a origem da lírica trovadoresca, dando-nos a possibilidade de aceitar todas elas de modo conjunto. Todavia a influência da Provença na poesia trovadoresca portuguesa é incontestável e se deu principalmente pelo fato de que muitos dos trovadores portugueses tiveram certa relação com a França. (D. Afonso Henriques e D. Sancho I foram casados com princesas criadas em cortes ligadas à Provença). Além disso, muitos artistas nômades oriundos daquela região passaram pela península, e ainda, as relações comerciais e os movimento militares (cruzadas) são fatores de influência.

O Trovadorismo Português inicia-se em 1189 (ou 1198) com a “Cantiga da Guarvaia” ou “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós e se estende até 1418, quando Fernão Lopes é nomeado Guarda-mor da Torre do Tombo por D. Duarte.

A POESIA TROVADORESCA

Na Provença, o poeta era chamado de troubadour, cuja forma correspondente em Português é trovador, da qual deriva trovadorismo (que serve de rótulo geral dessa primeira época medieval), trovadoresco, trovadorescamente. O poeta deveria ser capaz de compor, achar os versos e a melodia para sua cantiga. Eram poemas cantados e acompanhados por instrumentos musicais e às vezes danças.

A poesia trovadoresca classifica-se em: lírico-amorosa e satírica. A primeira divide-se em cantiga de amor e cantiga de amigo; a segunda, em cantiga de escárnio e cantiga de maldizer. O idioma empregado era o galego-português, em virtude da então unidade linguística entre Portugal e a Galiza.

CANTIGAS DE AMOR

Poesia lírica onde o trovador, de acordo com a arte de trovar” confessa seu amor por uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões por ser de classe social mais elevada, geralmente nobre, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído. O poema é um lamento suplicante, os apelos do trovador “colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de idealidade ou contemplação platônica”. Trata-se de um fingimento poético, de acordo com as regras de conveniência social e da moda literária vinda da Provença. Retratam um sofrimento interior (coita de amor).

Geralmente é o próprio trovador quem confessa seus sentimentos, dirigindo-se em vassalagem e subserviência à dama (mia senhora ou minha senhora), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso" lhe impunha: as regras do "amor cortês", recebidas da Provença: o trovador teria de mencionar comedidamente o seu sentimento (mesura), a fim de não incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada; teria de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudônimo, e prestar-lhe uma vassalagem que apresentava quatro fases: a primeira correspondia à condição de fenhedor, de quem se consome em suspiros; a segunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e pedir; entendedor é o namorado; drut, o amante.

Segundo Moisés, “(...) O trovador, portanto, subordina todo o seu sentimento às leis da Corte amorosa, e ao fazê-lo, conhece das dificuldades interpostas pelas convenções e pela dama no rumo que a levaria à consecução dum bem impossível. Mais ainda: dum' bem (e "fazer bem" significa corresponder aos requisitos do trovador) que ele nem sempre deseja alcançar, pois seria por fim ao seu tormento masoquista, ou início dum outro maior. Em qualquer hipótese, só lhe resta sofrer, indefinidamente, a coita amorosa”.

O sofrimento segue uma ordem crescente, através das estrofes (cobra ou talho) sendo reforçado o estribilho ou refrão, onde o trovador pode rematar cada estrofe, reforçando a angustiante idéia fixa para a qual ele não encontra consolo.

Em síntese, nas Cantigas de Amor, o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada colocando-se numa posição inferior (de vassalagem) a ela. A mulher é colocada num patamar elevado, idealizada, em geral por se encontrar em uma posição social superior. As cantigas de amor não possuem variedade temática, sendo a temática mais comum o amor não correspondido. Além disso, reproduzem o sistema hierárquico do feudalismo, pois o trovador passa a ser o vassalo da amada (suserana) e espera receber um benefício em troca de seus “serviços” (as trovas, o amor dedicado, o sofrimento pelo amor não correspondido).

Cantiga da Ribeirinha

(Paio Soares de Taveirós)

No mundo non me sei parelha
mentre me for como me vai,
cá já moiro por vós-e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mau dia me levantei,
que vos entom no vi fea!
E, mia senhor, dês aquel di’, ai!
Me foi a mi mui mal,
e vós, filha de Don Paai
Moniz, e bem vos semelha
d’aver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós houve nem ei
valia d’ua correa.
- - - - - -
Tradução do Prof. Stélio Furlan (UFSC)
Cantiga do Ribeirinha

No mundo ninguém se assemelha a mim
enquanto a minha continuar como vai,
porque morro por vós, e ai!
Minha senhora de pele alva e faces rosadas,
quereis que vos retrate (que me afaste)
quando vos vi em manto! (na intimidade)
Maldito dia! Me levantei
que não vos vi feia!
E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
Tudo me foi muito mal,
e vós, filha de Don Pai
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia,
pois eu, minha senhora, como mimo
nunca de vós recebe
algo, mesmo sem valor.

continua… Cantigas de amigo, de escárnio e maldizer

Fontes:
Célio Antonio Sardagna. Literatura Portuguesa. UNIASSELVI, 2010.
Massaud Moisés. A Literatura Portuguesa. SP: Cultrix, 2008.
Teófilo Braga. História da literatura portuguesa – Renascença. Lisboa: INCM, 2005. v. 2.
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