COLO DE MÃE
Mudei de cadeira, mudei de xícara,
joguei fora o adoçante
e recriei meu café da manhã.
De nada adiantaram as mudanças,
tudo tem outro gosto, tudo é fastio,
tudo é uma esquisitice aguda.
Estou macambúzia, gripada, mas nada dói em meu corpo.
Minha gripe é na alma, congestionada de saudade.
Ah, meu Deus! Dá-me a canequinha de lata,
o tamborete antigo e o colo de mãe
que foram deixados numa cozinha farta de aconchego.
Dá-me o fogão à lenha, o café de um coador de pano
e os meus despreocupados anos de infância .
Hoje eu quero um remédio que me cure
dessa dor inquietante de não ser mais criança.
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DEPOIS DO VOO
Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me as reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram as metáforas.
Depois do voo.
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DESEJO
Sou feita de atos e pensamentos
corpo e alma das letras em ação.
Mas o que mais me identifica e desenha meu perfil
são as palavras.
Eu sou o que escrevo, sou a palavra que me revela
nas entrelinhas dos meus poemas.
Queria tocar os corações das pedras,
queria que as pedras me lessem!
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ESPERA
É na tua ausência que desfolho tristezas
e acaricio lembranças.
É nas horas de solidão
que ganho asas, te bebo e te navego.
Nos meus sonhos te encontro rarefeito,
envolto na volátil presença da noite que te engole.
O sonho passa, mas meu corpo refeito
é um profundo oceano à espera das tuas redes.
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EU E O TEMPO
Nos meus poemas faço uma profunda reflexão
sobre o sentido da vida.
Vivi, vivo, sofro e faço versos.
Mas a vida engole com sofreguidão as minhas rimas,
as minhas metáforas, meus tempos verbais,
que tanto sustentaram meus quereres.
E meus poemas já pedem escoras.
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RAÍZES
Sou parte do Grande Sertão de Guimarães Rosa.
A terra me medra,
as árvores me enraízam, os pássaros me gorjeiam.
Caminho pisando folhas que me desfolham.
Sou exercida por savanas e meu cheiro é agreste.
Por isso minha alma canta,
contaminada pela Natureza que me define.
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SILÊNCIO
Existem dias que prefiro o silêncio,
um silêncio brando, suave, que me transporta
ao profundo útero da alma.
Feto sem luz, ali me recolho à espera de renascimento.
Choro um choro sufocado, que o silêncio silencia.
A gestação prossegue recriando minha alma
e reencontro a vida que a mim proponho.
É no fundo do silêncio que me reconstruo
e me apodero de novos sonhos.
Fonte:
Versos (Di) Versos. Disponível no site de Rita Mourão.
https://versosderita.weebly.com/versos-diversos.html
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