quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Caldeirão Poético LXVI


Benjamim Silva
Cachoeiro de Itapemirim/ES, 1886 – 1954, Rio de Janeiro/RJ

ESCADA DA VIDA

Julguei da vida haver galgado a escada,
essa escada de mármore polido,
que nos conduz à estância desejada
de um grande bem, raríssimo atingido.

Hoje vejo, porém, que quase nada
consegui, afinal, haver subido:
— ficou-me longe o termo da jornada
em que eu, exausto, me quedei vencido.

Pelos desvãos da escada mal me erguendo,
já sem noção e sem a fé que anima,
nem sei se vou subindo ou vou descendo...

Por isso, os seus extremos jamais acho:
vejo degraus olhando para cima,
vejo degraus olhando para baixo.
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Carmen Cinira
Rio de Janeiro/RJ, 1902 – 1933

SER MULHER

Ser mulher não é ter nas formas de escultura,
no traço do perfil, no corpo fascinante,
a beleza que, um dia, o tempo transfigura
e um olhar deslumbrado atrai a cada instante.

Ser mulher não é só ter a graça empolgante,
o feitiço absorvente, a lascívia e a ternura;
ser mulher não é ter na carne provocante
a volúpia infernal que arrasta e desfigura...

Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza
de quem sabe pensar com toda a sutileza
e no próprio ideal rara virtude alcança...

É ter, simples e pura, os sentimentos francos,
E, ainda no fulgor dos seus cabelos brancos,
sonhar como mulher, sentir como criança!
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Celso Vieira
Recife/PE, 1878 – 1954

MENDIGOS

Quantas vezes trilhamos, desgraçados,
da vida humana os ásperos caminhos:
vós, em busca de esmolas, fatigados,
eu, fatigado, em busca de carinhos!

Aos que tiveram sedas e brocados,
invejais a riqueza, ó, pobrezinhos!
E eu mais invejo ainda os namorados,
— aves que dormem no frouxel dos ninhos.

Como — de porta em porta —  sem abrigo,
Noite e dia seguis, aflito eu sigo,
de coração em coração, assim...

E assim, lastimo as esperanças mortas,
Pois, como para vós, fecham-se as portas,
Os corações se fecham para mim!
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Ciro Vieira da Cunha 
(pseudônimo João da Ilha)
São Paulo, 1897 – 1976, Rio de Janeiro

CARNAVAL DE UM PIERRÔ

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bars" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...
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Cláudio de Cápua
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

MOCIDADE

Lindo tempo o do sonho e da vontade!
Sem palavra, sequer, que bem o exprima,
o pensamento a erguer-se bem acima
da montanha da vida em claridade!

Tempo feliz da nossa mocidade
que a luz do amor e da ilusão sublima,
quando tudo nos prende e nos anima
ao fio e à teia da felicidade!

Não há quem não conheça, e, conhecendo,
não dê tudo de si para que nunca
deste tempo de paz vá se esquecendo.

Mágoas? Feliz de quem puder vencê-las,
e ver que a mão de alguém seus passos junca
de pérolas, de rosas e de estrelas!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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