sábado, 19 de agosto de 2023

Luiz Augusto Pierin (Fábulas indígenas)


"Macaco velho não mete a mão em cumbuca". Bem velho é esse ditado, -nossos avós já o recitavam. Seu significado, também, não é mistério p:ara ninguém. O que a maioria sequer desconfia é que esse velho ditado foi cunhado em tempos imemoriais pelos índios tupis brasileiros. Eles pronunciavam algo como; "Kaí tuimbaé i pó kuiambuka pupé ndoimonden”.

A "literatura", por assim dizer, de nossos indígenas era vasta, mesmo com sua característica de transmissão oral. Isso incluía os primeiros ocupantes do território que hoje vem a ser o Paraná, principalmente os guaranis. Algumas de suas lendas - como a da criação das Cataratas do Iguaçu, por exemplo – são fartamente conhecidas, Mas suas criações abrangiam, ainda, muitas histórias tipo fábulas, provérbios e trovas — algumas de grande apelo poético.

Diversos antropólogos, linguistas e outros estudiosos, principalmente nos séculos XVIII e XIX, recolheram e compilaram parte da produção literária ou do imaginário dos nossos índios, entre os paranaenses. Fáris Antonio S. Michaele, no seu trabalho “Presença do índio no Paraná" (in História do Paraná - Coleção Grafipar), destaca, por exemplo, belas fábulas como a da onça e a raposa.

Há muito tempo que a onça queria deitar as patas - e a boca - na ladina da raposa. Esta, além de ágil, era muito esperta, e sempre escapava da onça. Até que a onça bolou um plano que julgava infalível para pegar a raposa: fingiu-se de morta. A notícia da morte da rainha da floresta correu a mata, todos os animais apareciam para ver e velar a onça morta.

A raposa perguntou então aos outros animais:

- "A onça já arrotou três vezes?"

Ante a surpresa dos demais animais, a raposa tratou de esclarecer que toda onça, quando morre arrota três vezes. Ao ouvir a explicação, a onça cuidou de convencer a bicharada toda de que, realmente, estava morta, e arrotou forte três vezes. A raposa, mais que depressa, deu no pé, não sem antes dar uma gostosa gargalhada; "Onde já se viu um defunto arrotar?"

Já a história indígena, da raposa e do jabuti lembra em muito a nossa fábula do coelho e da tartaruga. Nas duas histórias os bichos apostam uma corrida. Só que, no caso da fábula indígena, o jabuti é muito mais esperto.

Na história indígena, o vencedor da corrida ganha como prêmio o direito de casar com a filha do gavião. Como é muito devagar, o jabuti pegou sua parentada toda — centenas de outros jabutis iguais a ele — e colocou os bichos em intervalos regulares ao longo do trajeto. E dada a largada e lá se vão a raposa e o jabuti. A raposa dispara na frente, é claro, e volta e meia olha para trás, para se certificar que o jabuti está longe. Mas o que vê a raposa? Um jabuti quase nos seus calcanhares. A raposa apressa a corrida, olha para trás e o jabuti continua no seu encalço. Até que a raposa não aguenta mais, desfalece de cansaço, e o jabuti ganha a corrida.

Para completar, uma trovinha em guarani:
"Ixe, man, guirá mirim!
Xá rekó, man, cepepó.
Xa bebê ne rakaquera
Xapuana ne reko”

A tradução nos revela uma bela e sutil poesia, que nada deixa a dever aos mais sensíveis haicais. A tradução diz: "Se eu fora um passarinho, oh, quem me dera! Eu teria minhas asas, voaria no teu encalço, e me ergueria ao pé de ti."

Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

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