segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Estante de Livros (Arsène Lupin contra Herlock Sholmes, de Maurice Leblanc)

Gênios à sua maneira, ladrão e detetive viraram arqui-inimigos nos contos de Maurice Leblanc, mesmo depois do autor britânico recorrer à justiça

Arsène Lupin e Sherlock Holmes parecem lados opostos da mesma moeda. Ainda que ambos sejam elegantes e dotados de habilidades de observação e dedução bem acima da média, cada um usa seus conhecimentos para objetivos diferentes: um comete crimes, o outro os resolve. Ou, como mesmo define o ladrão de casaca no conto A Lâmpada Judaica, enquanto um é “um gênio bom que socorre e salva”, o outro é um “gênio mau que traz o desespero e as lágrimas”.

Independentemente da sua preferência como fã, é fato que o encontro de duas personalidades tão excêntricas é motivo para empolgação. Em 1906, quando os personagens se encontraram pela primeira vez, a resposta positiva não foi unanimidade. 

Já naquela época, não era segredo que o autor francês Maurice Leblanc usara Sherlock Holmes como uma das suas inspirações para criar seu famoso ladrão atrevido. Afinal, quando Arsène Lupin surgiu nas páginas da revista Je Sais Tout, em 1905, o detetive da Baker Street fazia muito sucesso no mundo todo, inclusive na França. Tanto que, não muito tempo antes, Conan Doyle fora obrigado a trazê-lo de volta em O Cão dos Baskervilles tamanho clamor do público. Ou seja, tentar surfar nessa onda era uma estratégia bastante esperta, e Leblanc não demorou muito para incluí-lo no universo de Lupin.

Em Sherlock Holmes Chega Tarde Demais, uma das primeiras histórias do ladrão de casaca, ambos os personagens se debruçam sobre o mesmo mistério. No entanto, é o jovem Lupin quem leva a melhor. Aliás, mais do que isso. Ele humilha seu adversário ao roubar seu relógio e devolvê-lo com um cartão de visitas, uma situação que desagradou e muito a Conan Doyle. O escritor decidiu levar o caso à justiça e, nessa disputa, foi o britânico quem saiu vencedor, obrigando Leblanc a mudar o nome do personagem.

Mas, se Conan Doyle esperava intimidar Leblanc com o processo e impedi-lo de publicar novas histórias usando sua criação, o escritor saiu bastante frustrado. No ano seguinte, quando o francês lançou a hoje famosa coletânea Arsène Lupin, Ladrão de Casaca, o detetive foi rebatizado para Herlock Sholmes. Pois é, o autor francês sequer tentou disfarçar. Não bastasse isso, o detetive da Baker Street voltou a dar as caras em outros três livros do ladrão, Arsène Lupin contra Herlock Sholmes, A Agulha Oca e 813. Quer dizer, a versão paródica dele, que morava na Parker Street e tinha como melhor amigo e companheiro de aventuras um homem chamado Wilson.

O descaramento de Leblanc foi tanto que, no conto A Mulher Loura, publicado entre 1906 e 1907, o francês chegou a escrever: “[...] nos perguntamos se ele mesmo, esse Herlock Sholmes, não é um personagem lendário, um herói expelido do cérebro de um grande romancista, de um Conan Doyle, por exemplo.”

Contudo, por mais afrontosa que pareça a postura do autor francês, ele era um fã de Conan Doyle. Quando o britânico morreu, em 1930, Leblanc escreveu uma homenagem, em que o elogiava enquanto contador de histórias. No texto, ele diz que é “infinitamente preferível” ter a habilidade de inventar as façanhas de um detetive do que realmente ser capaz de desvendar qualquer mistério e, convenhamos, não há dúvidas de que Conan Doyle era um expert em criar casos criativos e inusitados para seu famoso investigador. Essa admiração, ainda que acompanhada de ironia, pode ser sentida até nos contos de Arsène Lupin contra Herlock Sholmes. Porque, não importa quantas peças Lupin pregue em Sholmes, ele sempre se dirige a ele como “meu mestre”.

Como bem explica o ladrão de casaca em A Lâmpada Judaica, não há vencedor, nem vencido em um embate entre Lupin e Sherlock Holmes. Ambos podem reivindicar triunfos. Um raciocínio semelhante se aplica também à disputa entre Leblanc e Conan Doyle, com um porém: gerações de leitores se beneficiaram não apenas com as obras que escreveram, como com as que inspiraram e continuam a inspirar tantos anos depois. A série da Netflix Lupin certamente não é a última delas.

O livro

Arsène Lupin contra Herlock Sholmes é uma coletânea de duas histórias escritas por Maurice Leblanc, sobre as aventuras opondo Arsène Lupin a Herlock Sholmes. É uma continuação de Arsène Lupin, ladrão de casaca, notadamente a última história, Herlock Sholmes chega tarde.

As duas histórias foram publicadas pela primeira vez a partir de novembro de 1906 na revista Je sais tout. O volume saiu em 10 de fevereiro de 1908 com as duas histórias modificadas (o epílogo sobretudo). Uma outra edição surgiu em 1914 com novas modificações.

Esta aventura de Arsène Lupin, com cenário e tom humorísticos, contrasta com as obras mais sombrias de Leblanc, entre elas o livro seguinte, A Agulha Oca, com uma participação trágica de Sholmes.

Conteúdo
A coletânea contém duas narrativas:

1) A Dama Loura, publicada em Je sais tout de 15 de novembro de 1906 até 15 de abril de 1907. Divide-se em seis capítulos. Dois acontecimentos envolvendo uma dama loura e desaparecimentos misteriosos — o bilhete premiado do Sr. Gerbois e o diamante azul da condessa de Crozon — fazem com que chamem o célebre detetive inglês Herlock Sholmes, único capaz de enfrentar Lupin. Num brilhante trabalho investigativo, Sholmes descobre o segredo das quinze casas projetadas pelo arquiteto Destangue e "retocadas" com "tubos acústicos, passagens secretas, tábuas de assoalho que deslizam, escadas escondidas" por Lupin para lhe servirem de esconderijo e para outros fins criminosos. Só que, nesse meio-tempo, Lupin lhe prega uma série de peças.

2) A Lâmpada Judaica, publicada em Je sais tout de 15 de julho a 15 de agosto de 1907. Divide-se em dois capítulos. O Barão Imblevalle, a quem roubaram uma lâmpada contendo uma joia preciosa, chama Herlock Sholmes para encontrá-la. Lupin envia uma carta ao detetive pedindo que não intervenha. Sholmes a ignora e vai para Paris com Wilson. Finalmente consegue encontrar a lâmpada judaica, mas descobre que sua investigação teve o efeito oposto ao pretendido. Na verdade perturbou os planos de Lupin que pretendia ajudar a família do Barão. Primeira menção na obra sobre Lupin do lado "bom" do "ladrão de casaca". "— Então, você faz o bem também? [pergunta Sholmes] — Quando tenho tempo. Isso me diverte. Acho graça que, na aventura que nos ocupou, eu tenha sido o gênio bom que socorre e salva, e você o mau que traz o desespero e as lágrimas [responde Lupin]".

Fontes:
https://www.omelete.com.br/quadrinhos/arsene-lupin-vs-sherlock-holmes
https://mundinhodahanna.blogspot.com/2020/06/arsene-lupin-contra-herlock-sholmes-maurice-leblanc.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ars%C3%A8ne_Lupin_contra_Herlock_Sholmes

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