- Toma cuidado contigo, Enedina! – recomendava a bondosa D. Matilde, repreendendo a filha. - Essa mania de bailes, de festas, e passeios e esses vestidos muito curtos e muito decotados, podem prejudicar-te. É preciso um pouco mais de decoro, de zelo, de discrição. Isso, assim, não vai bem!
- Ora, mamãe! - respondia a linda moça, num muxoxo. - Mamãe não quer, então, que eu me case?
- Quero, sim! Mas não é assim, indo a toda parte, e mostrando as pernas até os joelhos, e o colo até o estômago, que encontrarás um bom casamento.
A resposta era, porém, a mesma, com o mesmo estouvamento gracioso:
- Ora, mamãe!...
Sábado último, desejando oferecer à filha uma joia custosa para as futuras festas ao Rei, veio D. Matilde à cidade, e parou, com ela, diante das vitrines da casa Adamo, na Avenida:
- Aquele não te agrada? - indagou, mostrando à moça um dos mais lindos colares da exposição.
- Não! Não quero aquele.
- E aquele?
- Também não quero.
E convidando D. Matilde:
- Vamos ver lá dentro?
Entraram.
- Colares de pérolas ou de brilhantes. - pediu a conhecida senhora.
O dono da casa abriu o cofre forte, pondo-lhes sob os olhos um chuveiro de pedrarias.
- Quero este! - pediu a moça, batendo as mãozinhas, contente.
No automóvel, de caminho para casa, D. Matilde indagou da filha:
- Achaste mesmo esse colar muito bonito?
- Achei-o, sim!
- Mas havia outros mais bonitos, na vitrine.
- Havia.
- Por que não escolheste um deles?
E a moça:
- Mesmo. Porque estavam tão expostos, tão à mostra... Toda gente já os viu! Este, não e, com certeza, há de despertar mais interesse, mais curiosidade! Não é?
A estas palavras, D. Matilde sorriu, carinhosa, e, tomando nas suas mãos enluvadas, as mãozinhas de neve da sua Enedina, observou-lhe, maternal:
- Minha filha, sirva-te isto, pela última vez, de lição. Os homens são pelas mulheres o que as mulheres são pelas joias: preferem as que se acham guardadas, recolhidas, às que vivem permanentemente no mostruário, expostas a todas as vistas! Aproveita, tu própria, minha filha, a tua experiência!
E beijando-lhe a testa, bondosa:
- Sê discreta e modesta para seres desejada. Ouviste?
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Disponível em Domínio Público
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