E ao voltar da música, para focar os felinos, faço-o de forma gradativa. - Lembro-me do "Diálogo dos gatos", aquela interessante peça de Rossini, deliciosamente cantada com humor por diferentes duplas e corais. Música que ameniza a saudade dos meus bichaninhos. Música que ainda gosto de ouvir, sempre que, de longe em longe, retorna num vídeo enviado por algum amigo internauta e que me faz lembrar aqueles diálogos noturnos dos gatos malandros de dorso arqueado, que, empoleirados nos muros, quebram o aconchego da vizinhança, a intercalar agressividade e sedução, à serenidade das noites, com aquelas exacerbações repentinas que, por vezes, chegam a estremecer os que as ouvem sob as cobertas.
Quantos gatinhos passaram por mim, deixando saudades, tais como aquele mimado gatão preto que, por conta de um acidente, tivera as patas traseiras inutilizadas e mal se podia mover, sendo alimentado com muito carinho, sempre a me receber com miados carinhosos, modulados pela gratidão.
Como terá ele chegado a mim? Não sei. Lembro-me apenas do dia em que o apresentei a outro gato, talvez como ele aparecido à minha porta, quando, com desagradável surpresa, recebi um violento e sonoro "chega pra lá"!
- Enciumada, aquela miniatura de pantera conseguira forças para mostrar o poder de suas garras - o que me fez recuar de um salto!
Entendi logo não ser nada fácil lidar com ciúmes, em qualquer caso! Menos ainda, com ciúmes felinos, municiados de garras ligeiras bastante afiadas!
Com o mesmo problema de atropelamento, adotei uma gatinha meiga, de pelo rajado. Tratada com muito carinho, chegou a recuperar-se, levando vida normal.
Não me recordo de lhe ter dado um nome, porém, lembro-me bem do alerta de um veterinário, que, após detalhado exame, prevenira que aquela gatinha jamais poderia enfrentar uma gravidez - o que, por azar, inevitavelmente, acabou por acontecer.
Naquele tempo, não se falava em castração, coisa corriqueira em nossos dias, embora ainda me custe aceitar a ideia. No caso da tal gatinha, entretanto, teria sido a sua salvação.
Chegada a hora crítica, o mesmo veterinário, amigo de meu pai, chamado às pressas, solicitou minha ajuda para conter aquela "mãezinha" atormentada, que se mostrava demasiado agressiva, em virtude das dores que enfrentava. Eu teria cerca de dezesseis anos, ou pouco mais, e, apesar dos cuidados, não escapei de levar dolorosa mordida numa das mãos. Porém, o mais triste foi saber que a pobre gatinha, depois de sofrer tanto, teria que ser sacrificada. Não havia outra qualquer solução!
Abandonei o campo de ação e chorei pranto sentido, não pela dor da mordida, mas por saber da inutilidade do sofrimento daquela infeliz mãezinha sem esperanças.
Minha emoção impressionou o jovem veterinário, que chegou a afirmar não ter conhecido ninguém com tanto sentimento a ponto de derramar sentidas lágrimas, ante a impossibilidade de salvar um pobre animalzinho condenado.
Bem mais tarde, minha mãe revelaria as pretensões matrimoniais daquele rapaz, que, emocionado pelas circunstâncias, pensara ter encontrado par ideai, sendo descartado por um pai zeloso, sem que a ingenuidade de quem fora pivô da história, sequer sonhasse com o que acontecia nos bastidores.
- Mais dois gatos merecem citação: - Tuca - andar macio, alvinegra, focinho metade preta, outra metade branca, o que lhe dava um ar gaiato de eterna mascarada. Apareceu... foi bem acolhida... e como chegou, desapareceu... Sem deixar rastro.
Lembro-me também daquele gatinho simpático, rajado de amarelo, por isso mesmo chamado de Douradinho e algumas vezes de Gold, sempre na pontinha dos pés, a esfregar a cabeça nas pernas de todos... Sempre a pedir e a esbanjar carinho.
Nunca o vi arquear o dorso, arreganhar-se, bufar, ou estapear alguém. Era um gatinho meigo por natureza! Se houver um céu especial para bichinhos de boa índole, Gold lá estará, com certeza, a dourar tudo ao seu redor.
E muitos outros bichanos, chegados e bem recebidos, partiram sem marcar presença.
Fonte:
Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023.
Enviado pela autora.
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