A dança, na casa do Fabiano do Boqueirão, fervia animadíssima. Na redondeza não se tivera notícia, em tempo algum, de festança mais concorrida.
Gente de muito longe aportara à fazendola: atendendo ao convite barulhento do Fabiano, que planejara celebrar, o santo de sua devoção de maneira nunca vista até aquele dia. E de fato, os convivas estavam boquiabertos.
— Mas, que despropósito! O compadre Fabiano até parece que tirou a sorte grande...
Foram três dias de comilança exagerada, de rezas, com sermão muito bonito, de colossais corridas de cavalos. E para terminar, um baile de arromba.
Às onze e pouco entrou na sala um conhecido de Fabiano que não pudera assistir ao começo da festa. Miguel Ignácio chamavam-nos todos. E a seu nome as caboclas acompridavam logo um olhar cheio de secretos desejos. É que o Miguel Ignácio tinha fama de ser o rapagão mais desempenado do sítio vizinho. Não havia quem resistisse à teia de seus galanteios. Até andavam falando de coisas a respeito dele e da dona Alcina, mulher do segundo suplente de delegado.
Infundados ou não esses boatos, o fato é que as moças tinham uma quebrantura invencível quando dançavam com o Miguel Ignácio. Seu corpo atlético, seus dentes claros — tudo, enfim, servia para bulir com o coração das morenas do Boqueirão.
Miguel Ignácio apenas entrou, mexeu os olhos nas quatro direções da sala. E viu, bem escondidinha num canto, a Joaninha, que era de uma timidez fora de propósito. Enveredou para ela, jactanciosamente, sabendo-se alvo de muitos olhares. Puseram-se a dançar.
— Como vai essa flor, Joaninha? Não sentia saudades de mim?
— Não.
— Por quê?
— Eu tenho agora em quem pensar...
(O caboclo desapontou).
— … Estou noiva.
— Verdade? Não sabia... Também quanto tempo há que não apareço por cá.
Pigarreou para disfarçar o embaraço.
— E quem é o felizardo?
— O Luiz.
— Quem? O Luiz Alves?
Riu com gosto.
— Logo quem!
Procurou com a vista o noivo da Joaninha. Lá estava encostado à porta, carrancudo, solene, seguindo-os com os olhos maus, o Luiz Alves.
— Aquele caboré (caipira feio e melancólico) desajeitado? Que coisa, Joaninha? Você é mulher pra casar com homem fino. Que é que vale o Luiz Alves? É um poaia (sem graça)! Tem sangue de barata. Só porque a empreitada dele é grande?
— E você com isso?
— Eu? Nada... mas tenho pena de ver a flor bonita do Boqueirão cair nas mãos daquele nhengo (imbecil).
E Miguel Ignácio começou a menosprezar o outro. Ia apontando à moçoila todos os defeitos do noivo.
A música parou e o caboclo ainda tinha palavras na boca para dizer.
Logo em seguida, o Luiz Alves procurou a noiva.
— O que foi que ele lhe disse?
— Nada...
— Então por que vocês me olhavam tanto?
— A gente ‘tava pondo reparo no seu cabelo, nos olhos de você...
Luiz Alves ficou vermelho de raiva.
— Então...
Ela lhe contou tudo. Discutiram. Endossou a opinião do galanteador. E romperam o noivado.
Dali a pouco o Miguel Ignácio viu que a Joaninha estava só.
— Como vai o seu caboré formoso?
— Não sei. Nós brigamos.
— Ora essa. Por quê?
— Você disse...
Miguel Ignácio quase caiu de tanto rir.
— Pra que isso, boba? Então você quer vir pro meu lado? Não pense que eu vou casar com moça do Boqueirão. Inda mais quem já foi noiva do Luiz Alves.
A marcha cessara. Joaninha mergulhou no quarto mais próximo, chorando.
No terreiro, os dois homens rolaram, enfurecidos. Venceu o mais forte. Era inevitável. E o Luiz Alves ficou no chão desacordado de tanta bofetada.
Miguel Ignácio virou-se para o lado, à procura do chapéu, que caíra longe, durante a luta. E a Joaninha ali estava, com os olhos cheios de lágrimas, limpando-lhe a aba com a barra do vestido.
A vida no Boqueirão continuou a correr. Não sei se o compadre Fabiano (era um santo homem, o compadre Fabiano) deu outra vez uma festa daquelas. Só sei que o Miguel Ignácio casou-se com Joaninha. Tem já quatro caboclinhos, dizem. Eu conheço somente o mais velho. Chama-se Luiz. E é ainda mais barulhento que o pai.
Fonte:
Disponível em Domínio Público
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.
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