terça-feira, 15 de agosto de 2023

Dirceu Marés de Souza (A viuvinha do Crespim)


Nos tempos em que ainda se plantava erva doce no reino dos canteiros de couve — em 1841 - existia na então vila de Campo Largo uma chácara caprichosamente cuidada. Era de propriedade de um jovem casal, Crespim e Djanira, que mantinha em sua herdade vários escravos, entre eles duas pretas muito afeiçoadas a seus amos. Tudo naquele sítio funcionava no mais rigoroso estilo patriarcal. Um ambiente de respeito e dignidade que impressionava seus vizinhos e especialmente seus escravos. O simpático casal deixava transparecer uma vida em eterna lua de mel. Mas um dia, o Urutago piou mais forte e arrastou suas asas agourentas no telheiro... Crespim ficou muito doente. Uma grave moléstia o levou ao túmulo em poucos dias. Uma tristeza...Os vizinhos foram consolar a Viúva. Moça rica e bonita, não deveria desanimar... Esqueceria um dia. Talvez um dia...

Para suportar as angústias da ausência do marido morto, a jovem Viuvinha chamou um abalizado mestre de marceneiro e pediu a ele que esculpisse a figura de Crespim em madeira. O artista trabalhou para obter a melhor semelhança possível. Depois de tudo memorizado nos seus mínimos detalhes, entregou a obra concluída.

Vestiram o Crespim de pau com as roupas do defunto. A Viúva e as mucamas transformaram aquele momento num respeitoso cerimonial... As pretas disseram boa noite para o sinhô... E o Crespim foi levado para o quarto de dormir, porque já era noite. Durante o dia vinha o Crespim para os lugares onde o pessoal se reunia e se movimentava.

Quando as mucamas varriam a casa pediam licença:

- Com licença, Sinhô, queremos varrer... e arredavam o boneco.

Vez por outra, vinha a Viúva:

- Crespim, os cobres estão curtos, vamos vender umas vaquinhas?

O Crespim, como sempre, continuava impassível, mudo como um todo.

- Já sei! Você sempre foi assim... quando não fala está concordando.

Lá se ia mais uma vaca, ou duas, para o açougueiro. Aconteceu que o açougueiro, viúvo e desimpedido também, arrastou as asas para o lado da Viuvinha e esta resolveu abanar-lhe um lenço verde. Passaram-se poucos dias e a Viúva noticiou às mucamas que iria contratar casamento com o açougueiro. Foi um susto nas duas:

- Credo-em-cruz!... E o sinhô Crespim?...

A Viúva ria:

- Suas bobas...

No dia do contrato de núpcias, a Viúva, eufórica, feliz com a ideia do novo casamento, recomendava às escravas que tivessem muito respeito com o noivo que viria visitá-la. Elas resmungavam se persignando.

Em um dia, em meio à ansiedade da Viúva e à oposição das mucamas, o açougueiro chegou todo bornido... A Viúva o recebeu com exageradas mesuras, fazendo-o sentar-se em uma cadeira da sala, enquanto no interior da casa ouvia-se a corrimaça das mucamas a arrastarem os chinelos de um lado para o outro, entre resmungos imperceptíveis... A ama chamou-as:

- Vocês duas! Façam um café bem quente, bem forte, bem bom e tragam aqui na sala... para nós...

As mucamas responderam em tom de deboche:

- Não dá para fazer café, Sinhá, não tem lenha!...

A Viúva com raiva responde:

– Então queimem o Crespiml...deve estar bem seco...

As mucamas foram ao quarto de dormir e agarraram o boneco Crespim, e o arrastaram para fora. Meteram-lhe o machado e dentro em pouco tempo serviram o café - bem quente e bem forte.

(Até hoje ainda se fala em Campo Largo quando morre o marido e deixa viúva nova: - “...Essa logo manda queimar o Crespim!...”

Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

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