Foi no tempo em que as moedas tinham grande valor. Muito maior que o dessas de agora. Alguém se lembra daquela de mil réis, que, na nossa infância, dava para comprar vinte balas toffee de leite condensado? Não balinhas mirradinhas, não; eram balas mastigáveis, grossas, bastas. Chegavam a dar dor nas mandíbulas de tanto que demoravam a acabar. Não vi nenhuma dessas moedas ainda dourada e brilhante, como deviam todas ter saído, com certeza, da Casa da Moeda, onde eram cunhadas. Mas logo eram encaminhadas para o comércio, seu destino. Passavam de mão em mão. Não é à toa que a gente considera o dinheiro uma coisa suja. As poucas moedas de mil réis nas quais conseguimos pôr as mãos traziam a data de fabricação, sempre um ano passado havia muito. Carregavam as marcas do seu longo tempo de uso. Eram encardidas de um jeito que nem um litro de Kaol conseguiria limpá-las. Mas eram as nossas moedas mais valiosas. Crianças dificilmente ganhavam uma.
Pois foram duas dessas que, lá num dia de outrora, um pai deu ao seu garotinho em manhã de domingo. Uma destinava-se à oferta na igreja, outra era para o sorvete, depois da missa. Lá se foi o menino, saltitante e descuidado, a brincar com sua pequena fortuna. Até que, de repente, aconteceu o previsível. Não deu outra: caiu-lhe da mão uma delas e rolou pela calçada. Antes que a pudesse apanhar, ela sumiu num bueiro. Ele virou-se para o pai com ar de decepção: “Ah, papai, que pena! A moeda da oferta caiu no buraco”.
Os simpáticos leitores devem conhecer a historieta. Não é mais do que uma anedota, mas encerra muitas lições de vida.
Demonstra quanto pesa em nós o barro de que fomos fabricados. Bobagem atribuir ao pobre Gérson, o canhotinha de ouro, a invenção da lei de levar vantagem em tudo. Ele só foi usado pela indústria tabagista para proclamá-la em voz alta. Levar vantagem é uma herança que trazemos desde o velho Adão. Vem lá das nossas origens. De quando nossos ancestrais ainda moravam em árvores.
Voltando ao garoto, há quem aplauda sua suposta esperteza. Por que chamamos esperteza ao que não passa de cupidez (cobiça)? Já sei; alguém dirá que qualquer criança faria o mesmo. Isso vem provar que não nascemos naturalmente orientados para o bem, como alguns pensam. Se os pais não interferirem, a coisa descamba. Daí a importância de educarem os filhos para que aprendam a praticar o que é correto, não o que é gostoso.
Outro ensinamento da historieta é que os pais devem orientar os filhos para a partilha dos bens que recebemos. A moeda da oferta é valioso reforço para a abertura do coração. Há quem erroneamente pense que na igreja se dá esmola. Pelo contrário; se reconhece que Deus nos dá os bens para que aprendamos a partilhar. Se Ele é Pai, não aceita de bom grado que a algum filho falte o necessário. Se nós somos irmãos, não podemos admitir que alguém sofra necessidade. A oferta na igreja é uma pequena, mas poderosa lição. Repetida, ao longo dos anos, ajuda a criar o hábito de lutar por uma sociedade mais fraterna e igual entre nós.
O lar é o ambiente próprio onde formar os filhos no desprendimento. Para orientá-los na prática dessa virtude que leva a apreciar o bem comum antes que o bem particular. Virtude que me leva a considerar tão importante e desejável para o outro aquilo que considero importante e desejável para mim.
Fonte:
Portal do Rigon. Em 21/06/2014.
https://angelorigon.com.br/2014/06/21/desprendimento/
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