Ainda moço, meia-idade, nomeado Coletor de Rendas na Linha Sul, Neco Pacheco foi viver em Irati. Logo fez amigos, comandando certas iniciativas. Organizar um baile, por exemplo, tira-lhe muito gosto.
Naquele 31 de dezembro, sexta, depois do almoço, o aventureiro coletor se ocupava em decorar um salão para o grande baile de Ano Novo. Até uma quadrilha ia ser dançada.
Sentiu-se tonto, de repente, o nosso Neco Pacheco. Pôs as mãos no peito, onde se localizava a dor cruelíssima que o fazia rebentar os botões da camisa; pálido, deitado no assoalho, a cabeça apoiada numa almofada, ele suava em bicas.
Quando o médico chegou, Neco tinha acabado de morrer. Fretado um trem especial para levar o corpo a Curitiba, umas cem pessoas, entre amigos e parentes, esperavam a chegada do comboio na plataforma.
O trem encostou depois das onze da noite. O caixão lilás, enfeites dourados, saindo do bagageiro pelas mãos dos parentes mais próximos (um em cada alça), foi transferido para o coche, ao qual estavam atrelados quatro cavalos brancos, o arreamento guarnecido com negros laços de cetim.
Devagar, o coche subia a Rua Barão. Seguiam-no os acompanhantes. Um Desembargador, amigo da família, a cada passo tirava o relógio da algibeira, como a conferir quanto faltava para meia-noite.
No instante em que o enterro achava-se prestes a atingir a esquina da Barão com Rua Quinze, começou o esfuziar de foguetes, que estouravam nos céus de Curitiba.
Batiam os sinos da Catedral, festivos. Ouvia-se à distância o apito das fábricas. Era o ano novo que chegava.
Na calçada, perplexa melindrosa, fita na testa, lábios muito pintados, só faltava bater palmas à passagem do funeral. Moço sensível, um primo do morto sentia-se personagem de melodrama.
Cutucando o acompanhante, que caminhava ao seu lado e fingia não ouvir o foguetório, ele disse:
"Bons-anos!"
"Bons-anos", o outro retribuiu.
Bem nessa hora, a vara de um foguete caiu entre os cavalos, que ameaçaram disparar. Quase derrubando a cartola, o cocheiro conseguiu conter os animais.
Com o enterro perto da Praça Tiradentes, os sinos da Catedral tinham silenciado. Raros foguetes ainda subiam nas bandas do Pilarzinho. Permanecia no ar o triste apito de um engenho.
Já se podia dizer que era sábado, primeiro de janeiro.
Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
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