Dona Ana permaneceu por longos dias hospitalizada. E, nesse meio tempo, Isadora se preparava para a tal conversa com o pai.
Ocupando o espaço da mãe à beira do fogão, ela preparava as refeições do senhor Antônio que, mesmo com a esposa correndo riscos de vida, seguia como de costume, sumindo de casa, sabe lá Deus por onde e com quem.
O velho chegou atrasado para a janta. Com as botas embarradas e um sorriso incomum estampado na face, que quase sempre se mantinha fechada e sombria.
Cara de homem que havia acabado de sair dos braços de alguma mulher.
Com raiva, Isadora arrumou a mesa e serviu o velho. Mas, tomada por preocupações, não conseguiu provar da refeição.
- Come, “fia”. - disse ele.
- Pareces feliz. Alguma boa notícia sobre o estado de saúde da mãe? Ligaste ou foste vê-la? - perguntou Isa, controlando a irritabilidade.
- Não. Passei o dia ocupado. Amanhã vou até o “hospitar".
- Desculpa, meu pai, não quero faltar com o respeito, mas o senhor parece muito feliz para quem está com a esposa hospitalizada. Da onde vens? Da casa de alguma amante, china, mulher da vida? Não sei qual o melhor termo a ser usado nesse tipo de situação.
As suspeitas da filha acenderam em seu Antônio uma raiva ardida que, em segundos, o deixou corado, pegando fogo.
Cheio de ira, imediatamente ele atirou o prato servido na parede e disparou: - Não te criei pra "falá” assim comigo. Só não puxo o rebenque porque ainda não tinha falado “arto” comigo. Que isso nunca mais se repita. Porque se isso acontecer de novo, te darei uma coça de criar bicho. Vai pro quarto! - gritou ele, com os olhos arregalados.
- Não lhe faltei com respeito, meu pai. E jamais faltarei. Fui muito bem educada por minha mãe. Já, o senhor, entende pouco de educação e respeito. Nunca tratou sua mulher com a devida deferência. A faz trabalhar como se ela fosse sua escrava. Por certo, a trai com outras mulheres. E o pior, mesmo perante uma situação que não muda, ela insiste em aceitar todas essas humilhações, submissa ao seu egoísmo desmedido.
Isadora não se calou, e o senhor Antônio, sem paciência, fez menção de puxar o cinto.
- Isso, pai, bate! Nenhuma surra pode doer tanto em meu corpo ou em minha alma quanto a dor que fazes minha mãe sentir. - disse a guria, sem temores.
O velho recuou e repetiu a ordem:
- Vai pro quarto e te ajeita, guria! - disse, saindo porta afora.
Isadora obedeceu e, aos soluços, deixou o pranto fluir...
“No peito dos homens machistas, sentimentos como amor verdadeiro e fidelidade, passam longe. Eles pensam ser os donos do mundo, e vivem como se fossem superiores a todas as mulheres, sejam elas suas esposas ou filhas.
São xucros. Habituados a esses costumes, não aceitam cabrestos. E preferem morrer a mudarem seus comportamentos. O modelo patriarcal ainda vigente na sociedade em que vivemos, está sempre a colocar a situação do ser feminino em desvantagem” - pensou ela, no escuro do seu quarto, mergulhada no breu de suas emoções.
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continua…
Fonte:
Enviado pela autora.
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