Mesmo debilitada, dona Ana recebeu alta e retornou ao lar sob os cuidados da filha.
Por quatro dias seguidos, o senhor Antônio permaneceu em casa, dando ordens aos peões e estranhamente pensativo.
Tentando quebrar o gelo, Isadora tentava puxar um assunto e outro, mas o velho apenas balbuciava uns resmungos inaudíveis. Agitado, andando de um lado a outro, como quem procura alguma forma de solucionar um grave problema.
Mesmo em casa, ele entrava no quarto apenas para dormir, nunca para saber da mulher.
Atitude essa, muito incômoda a sua filha. Pois ela sabia o quanto poderia ser significativo o carinho do marido na recuperação de dona Ana.
No entanto, os dias passavam e ele parecia cada vez mais alheio a tudo.
Depois de tanto tempo calado, o velho quebrou o silêncio:
- “Fia”, faz uma ambrosia para a sobremesa. Hoje tem churrasco.
- Qual é o motivo da festa meu pai?
- Negócio. Tô fechando um bom negócio com uns xirus da cidade.
- Faço sim. - disse Isadora.
À porta de casa, o velho deu ordem para o Juca "carnear" algumas ovelhas e depois preparar os gravetos para acender o fogo de chão. Pediu também que chamasse os amigos do armazém do seu Feliciano.
- Não é apenas um jantar de negócios, meu pai? Qual o porquê de tanta gente que aparentemente não tem nada a ver com tais negócios?
- Não se mete “fia”, não se mete nisso.
- Com a mãe adoentada na cama, não fica bem fazer festa. Não é o momento.
- “Despois” que de tudo “resorvido” tu vai saber.
- Não tô entendendo. - disse Isadora, muito aflita.
- Explico “despois”. Chega de prosa.
Os peões organizaram uma mesa com bancos compridos para os convidados e, logo após o entardecer, acenderam o fogo. Os convidados foram chegando aos poucos. Todos muito contentes ao se reunirem para celebrar momentos de boa prosa. Em seguida, aos poucos, o sol se recolheu, seus raios dissolveram-se num tom rubro, banhando as nuvens de um vermelho sangue. Os pássaros retornaram aos ninhos, agitados, temerosos. E Isadora, ao olhar para o horizonte pela janela da cozinha, sentiu um calafrio enquanto aquele pedaço de céu, penetrava em seu olhar um raio de vermelhidão intenso, tornando seu olhar de lua em fase de penumbra, em dupla lua de sangue.
Os visitantes da cidade chegaram um pouco atrasados.
- Este é o Pafúncio, um grande arrozeiro, que mora no centro de Cachoeira. E esse é seu “fio”, Fábio. Um guri "bueno", uma barbaridade! - disse Antônio, apresentando os amigos ao povo da fazenda.
Logo após a apresentação, o senhor, Antônio cochichou alguma coisa no ouvido de Fábio, um rapaz de cabelo aloirado, olhos azuis, rosto comprido, na casa dos trinta anos de idade.
Segundos após o cochicho, o jovem direcionou o olhar à Isadora, que por sua vez estava preparando a mesa.
Estavam presentes os peões da casa, os vizinhos da fazenda Boitatá, seu Feliciano e mais de dez homens frequentadores do seu armazém. Enquanto todos comiam, bebiam e conversavam sobre coisas do cotidiano ou contavam causos, Fábio buscava por uma oportunidade para falar com Isadora, que se encontrava muito ocupada, dividida entre as tarefas de servir e de observar a cada vinte minutos o estado de saúde de sua mãe.
No fim da noite, quando quase todos já tinham ido embora, o pai da Isadora parecia ainda muito aceso e numa crescente prosa com o amigo Pafúncio.
Cansado de esperar por uma boa oportunidade, Fábio aproximou-se da prenda, enquanto ela retirava os últimos pratos da mesa.
- Tu és linda, guria. - disse ele.
- Obrigada! - respondeu a moça sucintamente.
Ele tentou puxar assunto, mas ela foi logo se afastando, dizendo que precisava cuidar da mãe que estava acamada.
O rapaz secou o copo num último gole de trago e sorriu à toa, mirando a luz da lua.
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Nota de rodapé:
Xirus - plural de chiru. O mesmo que chiru.
Chiru - índio, caboclo, moreno carregado, que tem traços de indígena. Acaboclado, indiático. Expressão que também define, amigo, companheiro.
Trago - denominação para bebida alcoolica.
Por quatro dias seguidos, o senhor Antônio permaneceu em casa, dando ordens aos peões e estranhamente pensativo.
Tentando quebrar o gelo, Isadora tentava puxar um assunto e outro, mas o velho apenas balbuciava uns resmungos inaudíveis. Agitado, andando de um lado a outro, como quem procura alguma forma de solucionar um grave problema.
Mesmo em casa, ele entrava no quarto apenas para dormir, nunca para saber da mulher.
Atitude essa, muito incômoda a sua filha. Pois ela sabia o quanto poderia ser significativo o carinho do marido na recuperação de dona Ana.
No entanto, os dias passavam e ele parecia cada vez mais alheio a tudo.
Depois de tanto tempo calado, o velho quebrou o silêncio:
- “Fia”, faz uma ambrosia para a sobremesa. Hoje tem churrasco.
- Qual é o motivo da festa meu pai?
- Negócio. Tô fechando um bom negócio com uns xirus da cidade.
- Faço sim. - disse Isadora.
À porta de casa, o velho deu ordem para o Juca "carnear" algumas ovelhas e depois preparar os gravetos para acender o fogo de chão. Pediu também que chamasse os amigos do armazém do seu Feliciano.
- Não é apenas um jantar de negócios, meu pai? Qual o porquê de tanta gente que aparentemente não tem nada a ver com tais negócios?
- Não se mete “fia”, não se mete nisso.
- Com a mãe adoentada na cama, não fica bem fazer festa. Não é o momento.
- “Despois” que de tudo “resorvido” tu vai saber.
- Não tô entendendo. - disse Isadora, muito aflita.
- Explico “despois”. Chega de prosa.
Os peões organizaram uma mesa com bancos compridos para os convidados e, logo após o entardecer, acenderam o fogo. Os convidados foram chegando aos poucos. Todos muito contentes ao se reunirem para celebrar momentos de boa prosa. Em seguida, aos poucos, o sol se recolheu, seus raios dissolveram-se num tom rubro, banhando as nuvens de um vermelho sangue. Os pássaros retornaram aos ninhos, agitados, temerosos. E Isadora, ao olhar para o horizonte pela janela da cozinha, sentiu um calafrio enquanto aquele pedaço de céu, penetrava em seu olhar um raio de vermelhidão intenso, tornando seu olhar de lua em fase de penumbra, em dupla lua de sangue.
Os visitantes da cidade chegaram um pouco atrasados.
- Este é o Pafúncio, um grande arrozeiro, que mora no centro de Cachoeira. E esse é seu “fio”, Fábio. Um guri "bueno", uma barbaridade! - disse Antônio, apresentando os amigos ao povo da fazenda.
Logo após a apresentação, o senhor, Antônio cochichou alguma coisa no ouvido de Fábio, um rapaz de cabelo aloirado, olhos azuis, rosto comprido, na casa dos trinta anos de idade.
Segundos após o cochicho, o jovem direcionou o olhar à Isadora, que por sua vez estava preparando a mesa.
Estavam presentes os peões da casa, os vizinhos da fazenda Boitatá, seu Feliciano e mais de dez homens frequentadores do seu armazém. Enquanto todos comiam, bebiam e conversavam sobre coisas do cotidiano ou contavam causos, Fábio buscava por uma oportunidade para falar com Isadora, que se encontrava muito ocupada, dividida entre as tarefas de servir e de observar a cada vinte minutos o estado de saúde de sua mãe.
No fim da noite, quando quase todos já tinham ido embora, o pai da Isadora parecia ainda muito aceso e numa crescente prosa com o amigo Pafúncio.
Cansado de esperar por uma boa oportunidade, Fábio aproximou-se da prenda, enquanto ela retirava os últimos pratos da mesa.
- Tu és linda, guria. - disse ele.
- Obrigada! - respondeu a moça sucintamente.
Ele tentou puxar assunto, mas ela foi logo se afastando, dizendo que precisava cuidar da mãe que estava acamada.
O rapaz secou o copo num último gole de trago e sorriu à toa, mirando a luz da lua.
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Nota de rodapé:
Xirus - plural de chiru. O mesmo que chiru.
Chiru - índio, caboclo, moreno carregado, que tem traços de indígena. Acaboclado, indiático. Expressão que também define, amigo, companheiro.
Trago - denominação para bebida alcoolica.
Fontes das Notas
- Dicionário de Regionalismos. De Zeno e Rui Cardoso Nunes p. 116.
- Dicionário de Regionalismos. De Zeno e Rui Cardoso Nunes p. 116.
- Dicionário informal.
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continua…
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Fonte:
Texto enviado pela autora
Texto enviado pela autora
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