sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Goulart Gomes (Poemas Avulsos) – 3 -

ANDA LUZ

Adorar alguém
é andar à toa
é viver às tontas
acordar assim
a ver navios
amarguradamente apaixonado

Amar, ainda
é fazer do A
a letra por excelência
a letra da decadência
prima letra, letra A
Aonde anda Anda Luz
a luz que anda?
Anda, ainda
e ilumina
não fingindo ser menina
não querendo ser mulher

Anda, luz
que eu já te alcanço
e deitado no balanço
ao embalar do teu colo
embolo-me em tua balada
e te faço minha deusa
minha musa
minha fada
Anda, luz
luz que anda
clareia, sorri, desanda
acorda... e ama
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ARRÍMICO

Você representou para mim
tanto de bom, tanto de ruim
que nem sei dizer
se sinto falta de você
se saudade é assim

Seu sorriso me acalmava nas horas difíceis
seu olhar despertava coisas impossíveis
e ver seu corpo, simplesmente
fazia-me louco, adolescente
sentindo desejos, amores risíveis

Com você aprendi a não ser poeta
aprendi que a vida é bem indireta
a não ser sincero
ser apenas um mero
cínico, hipócrita, falso profeta

Com você morreu um menino
e seguiu seu destino
um homem, um mar
que aprendeu a acertar
e a acreditar
que o amor não é mais
que uma doce ilusão dos sentidos
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CARTA À SAUDADE

Quero saber
se o que você sente
é o que eu sinto
Quero saber
se é um carinho, se é um querer
uma admiração
um amor... o que?

Não diga que não
não diga que são
coisas à toa
Não brinque com o amor
se você não sentiu a dor
dessa coisa tão boa

Sinto vontade
de sempre lhe ver
ter por perto você
contemplar o seu corpo
olhar em seus olhos
poder lhe entender

Desejo rasgar
a sequência do tempo
e sem contratempo
lhe abraçar com loucura
lhe beijar com ternura
e depois acordar
pra voltar...
nunca mais

Sabe, ser Poeta
é amar o Universo
viver apaixonado
num eterno sonhar
É amar e amar
o que é incomum
utópico, irreal
o que é diferente
sem ser banal

A vida é um jogo
e no jogo da vida
não se tem saída
o jeito é viver

Sabe, saudade
isto são fatos
inobjetivas verdades
que acontecem à toa
sem cumplicidades

Sabe, saudade
é bom lhe sentir
ter você por perto
não ter que mentir
e apesar da distância
ter você
aqui
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O FUTURO QUE NÃO QUEREMOS*
- Tristes lembranças do século 20 -

Quem procurou saber
dos porquês?
Quem procurou ouvir
os o quês?

Como é fácil estar surdo!

Quem levantou uma bandeira verde
ou mesmo branca, amarelecida pela falta de uso
pela Natureza?

Ninguém assumiu seu lado ecologista.
Egoístas!
E ser soldado do Green Peace
era tolice.

E o que você fazia
quando matavam as baleias
quando queimavam as florestas
quando poluíam os rios
e enchiam as nossas terras de lixo atômico
e nossos céus daquela fumaça cinzenta?

Sentávamos às nossas mesas
redondas
e dizíamos
“- Temos que fazer alguma coisa”
E só.

E hoje, à nossa volta, só há a destruição
e no meio de tudo
o que restou do que um dia foi
o Homem
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*5º. Lugar no Concurso de Criatividade PETROBRAS/RPBA/CIPA/DINOR, 1986
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O PEREGRINO

quem sabe por quantos sítios já andei
e quantas pedras já pisei
quem poderá dizer?

quantas chuvas já encharcaram minhas roupas,
quantas lágrimas já lavaram o meu rosto
quantas gotas de suor já percorreram
as linhas do meu corpo,
quem poderá saber?

todos os caminhos
todas as árvores
todos os céus
todos os deuses
podem contar minha estória
mas minhas histórias
só eu saberei contar

e quando me perguntarem
o que há
por lá
por onde andei
simplesmente direi
que não sei
que não vi
pois o que senti
não saberei descrever,
além do que é preciso ver
viver
para crer

andar é preciso
impreciso é correr
ou rastejar
e no nosso caminhar-solidão
é bonito ver
que temos as nuvens e as cercas
como onipresentes companheiras

Fonte:
Goulart Gomes. Conserto para prego e martelo. Poesias Reunidas 1984-1994. Salvador/BA: Pórtico, 2011.

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