O que poderia trazer um Deus tão poderoso ao convívio de um simples mortal?
Perguntei-me.
Antes que eu o saudasse foi logo dizendo que tinha lido meu livro e percebera muitas incertezas minhas sobre determinados temas.
Como se movimentava incessantemente, cometi o equívoco em pedir para ele parar um pouco, a fim de que eu pudesse prescrutar seu olhar.
Sorrindo, me alertou que o tempo aos humanos só para com a morte.
Pedi-lhe, então, que continuasse a movimentar-se sem cessar.
Para me redimir da tolice comentei que a meu ver, ele era o maior dos deuses por ter existido desde os primórdios.
Retrucou, mansamente, dizendo que os gregos erraram em afirmar que ele só começara a existir depois do Caos. Obviamente, o tempo também existira durante esse período.
Concordei e disse a ele que agradecia o fato de ter vindo sem a assustadora foice com que era retratado.
Ignorou meu comentário e prosseguiu dizendo que os mortais, desde o início, tentaram rotulá-lo, aplicando fórmulas e mensurando-o em século, ano, mês, dia, hora, minuto e até segundos, numa clara tentativa de imputar a ele o conceito de transitoriedade. Ou seja, impondo-me um início, meio e fim.
Completou ele afirmando que ninguém aprisiona o tempo.
Com um tom debochado, disse que eu enumerasse a quantidade de filósofos e pensadores que tentaram defini-lo sem sucesso elaborando muitas fantasias a respeito.
Eu disse que algumas vezes também havia tentado infrutiferamente, materializá-lo.
Riu e continuou contando que durante muito tempo no planeta Terra vagara sozinho, sem nenhuma forma de vida como companhia, o que o levou quase à loucura, e que hoje procura seres excêntricos para dialogar.
Tomei isso como um elogio e perguntei como ele se definia.
“Amigo, eu sou exatamente o seu pensamento a meu respeito, conceito este que só perdurará enquanto você viver”, respondeu-me, com muita convicção.
Pedi que comentasse a expressão muito usada entre os humanos "até o fim dos tempos". Sorriu e classificou-a de esdrúxula. Não houve início nem haverá fim, os que tentam me conter ou modificar, passarão e eu continuarei .
Ainda havia mais algumas dúvidas, mas brincou citando outra frase muito utilizada "o tempo voa". Sorriu, envolveu-me em um abraço e partiu, prometendo voltar assim que tivesse um "tempinho".
Desapareceu com uma demorada gargalhada.
Passei mais alguns momentos com as plantas e levei muito tempo refletindo a respeito do que conversamos.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.
Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Volume 2. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. Enviado pelo autor
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Um comentário:
Muito interessante a reflexão do autor sobre o tempo. E assim como nos o tempo também passa…
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