sexta-feira, 9 de abril de 2021

Alvitres do Professor Renato Alves - 4 -

30.
Escrita num pequeno cartaz, a trova abaixo foi colocada sobre a urna mortuária de João Freire Filho. Segundo uma de suas irmãs, ela foi feita logo após o seu primeiro AVC, pois ele julgava ter chegado sua hora. Enganou-se, para a nossa alegria, que ainda pudemos desfrutar o tesouro de sua companhia por mais quatro anos. Enganou-se também na modéstia de seu autojulgamento, porque, na realidade, foi um excelente poeta e trovador.
    
Fui poeta... trovador...
Mas não fui tão bom assim!
Por isso, peço o favor
De não chorarem por mim!
João Freire Filho
(21/6/08)

3l.
Em criança, para eu poder ver o desfile dos blocos e Escolas de Samba na Avenida (Nos anos quarenta o carnaval carioca ainda era do povo...), meu pai me punha nos ombros. Para mim, aquilo era um deleite!... Vejam, na trova abaixo, como a sensibilidade do trovador conseguiu captar e traduzir esta sensação tão gostosa!
    
Pra ver o mundo de cima
da lembrança não me sai,
torre alguma se aproxima
do cangote do  meu pai!
Moacyr  Sacramento


32.
Depois de um dia inteiro de indisposição, o poeta José Lucas de Barros quis dar a boa notícia da melhora em sua saúde aos apreensivos trovadores que hospedava na casa de Pirangi. Ainda na cama, ao acordar, fez esta trova para recitá-la no café da manhã. Mesmo improvisada, a trova saiu com ótima qualidade e duas expressivas antíteses: ontem/hoje, compra/venda.
    
Nada de dor nem de tédio,
sinto quase a juventude:
Ontem, comprando remédio;
hoje, vendendo saúde!
José Lucas de Barros


33.
Nesta bela trova, vencedora nos  Jogos Florais de Niterói em 2007,  vejam como a sensibilidade do trovador retoma a metáfora de Deus-poeta, que a cada manhã reescreve o “poema da alvorada” para presentear Seus  filhos.

 De exuberância suprema,
que nos encanta e extasia,
cada alvorada é um poema
que Deus compõe todo dia.
João Costa


34.
O SÍMILE (ou comparação) é uma figura de linguagem semelhante à metáfora, porém bem mais direta. Ela exige apenas o uso claro de uma partícula comparativa (como, qual, tal, etc).   Na trova abaixo, por exemplo, o poeta se compara à cana, da qual se extrai o doce caldo com a “dor” do esmagamento. Assim é também o poeta: quanto mais sofre, mais produz doçura em seus versos...

Veja como o uso desta figura tão simples no 1º verso propiciou a preparação para o achado contido no belo  fecho de ouro dos 3º e 4º versos.

Sou como a cana do engenho...
Quem dera que assim não fosse!
Quanto mais dores eu tenho,
o meu cantar sai mais doce!
Luiz Otávio


35.
A língua é o instrumento de expressão da arte literária e, por consequência, da trova, um de seus gêneros poéticos.  Por isso, a correção gramatical é uma preocupação constante dos trovadores e, às vezes, serve até de tema para a criação de algumas trovas.  

Observem que os erros na pronúncia da palavra “poliglota” e na flexão de plural da palavra “degrau” constituem o ponto central dos achados das trovas humorísticas abaixo:

Sempre contando lorota,
diz que fala até chinês,
e, ao dizer-se “poligrota”,
assassina o português.
Maria Nascimento S. Carvalho

"CUIDADO COM OS DEGRAIS!"
- dizia o aviso ao freguês.
E ninguém tropeçou mais...
A não ser no português!
Renato Alves


36.
Calmamente vem o rio deslizando em seu leito... De repente, suas águas agitam-se, tornam-se esbranquiçadas, e ele despenca em queda livre, oferecendo-nos um imponente espetáculo visual como um véu de noiva. Mais adiante, retoma a calma e continua tranquilamente a fluir no seu curso... Esta é a descrição de uma cena linda, mas prosaica, como qualquer pessoa comum a vê.

Observemos, agora, como a sensibilidade de um poeta-trovador recria a mesma imagem  visual, através de bela metáfora no primeiro verso para compor uma linda trova:

Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio...
A. A. de Assis


37.
O importante poeta pré-modernista brasileiro, Augusto dos Anjos,  é conhecido por transmitir em sua poesia uma reflexão amargurada da vida. Tornou-se muito popular principalmente por usar temas  inusitados e bem sombrios. Por isso, passou a ser  chamado de “O poeta da Morte”.  

Reparem que, na trova abaixo, dentro desta mesma linha temática do pessimismo, o poeta cria uma metáfora inusitada onde um “coração-coador” filtra as alegrias da vida e retém todas as tristezas:

Pobre de mim! Por desgraça,
meu coração é um coador...
Nele, o riso escorre... e passa...
E fica tudo que é dor...
Augusto dos Anjos


38.
A metáfora é uma figura de linguagem que consiste numa  espécie de comparação implícita. Por mais simples que seja, a metáfora sempre valoriza o texto poético onde é usada.
 
Vejam, no exemplo abaixo, como as palavras “chegada”, significando nascimento, e “partida”, significando morte, valorizaram o achado da trova  onde são cotejadas a dor da mãe (no nascimento do filho) e a dor do filho (na morte da mãe).

Mãe, se dor fosse julgada,
não sei qual a mais doída:
Se a que te dei na chegada,
se a que me dás na partida.
José Fabiano


Fonte:
Textos/trovas enviadas pelo prof. Renato

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