quarta-feira, 12 de julho de 2023

Caldeirão Poético LXIV


Flamínio Caldas
Campos dos Goytacazes/RJ, 1886 – ????

CANÇÃO DA AGONIA

Quando o sangue parar em minhas veias
e cair sobre mim o véu da morte,
tu, que quebraste todas as cadeias
por nosso amor, sê corajosa e forte!

Possam meus olhos, no final transporte,
Ver-te os olhos enxutos. Rindo, creias,
eu cumprirei contente a minha sorte,
aliviado das lágrimas alheias...

Na hora extrema, não quero ver tristeza...
Fale a voz da alegria em cada canto,
nade na luz do sol a natureza!

Que venha, então, a deusa amortecida!...
Mas não chores, que foi todo de pranto
o caminho que fiz por esta vida!
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Hecilda Clark
Porto Alegre/RS, 1897 –  1990, Rio de Janeiro/RJ

CORAÇÃO


Não tenho culpa deste amor fremente
em seu ritmo ardoroso, acelerado...
Tudo em redor de mim, convulsionado,
e eu viva e amando o amor, tão loucamente!

Quando assomaste sonhadoramente,
o coração, que fora imunizado
contra todo o impossível; rebelado,
se apaixonou por ti, como um demente!

E nada o demoveu se, nem cansaço
sentiu, nesse correr vertiginoso
que nos conduz à morte a cada passo...

Vivo de amar-te, alucinadamente,
aos apelos do teu amor grandioso...
— Coração de Poeta é impenitente...
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Hermeto Lima
Belém/PA, 1875 – 1947, Rio de Janeiro/RJ

LEILÃO


—"Ponho em leilão meu coração, senhores!
Quem dá mais? Quem dá mais?... Examinai-o:
ele está pleno de ilusões de Maio,
cobre-lhe a vida um estendal de flores.

Vede-o bem, fibra a fibra, perscrutai-o!
Nunca sentiu as truculentas dores,
pois dos ódios do mundo e dos amores
jamais na vida perpassou-lhe o raio.

Tem fé, tem crenças, tem bondade extrema...
Quem dá mais? Quem dá mais?... Vale um poema
a sua louca e nobre fantasia..."

— "Dou um beijo por ele". —"Feito o preço..."
E à mais formosa dama que eu conheço
assim vendi meu coração um dia.
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Jacinto de Campos
Canavieiras/BA, 1900 – ????, Rio de Janeiro/RJ

AS DUAS PALMEIRAS

Quando passo, buscando a humana lida,
a alma repleta de ilusões tão várias,
junto à velha choupana carcomida,
vejo duas palmeiras solitárias...

Uma a reverdecer... a outra caída,
num desmancho de palmas funerárias...
E, ao som da harpa do vento, a que tem vida,
saudosa plange salmodias e árias...

Ó tu, que me olvidaste no caminho,
meu coração deixando como um ninho
vazio e triste ao vento balançando,

a saudade me diz, como em segredo,
que és a palmeira que morreu bem cedo
e eu sou aquela que ficou chorando...
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Jacy Pacheco
Duas Barras/RJ, 1910 – 1989

GRATIDÃO

Eu te agradeço — e sem constrangimento—  
o bem que foste para mim: poesia,
rumor festivo em meu isolamento,
bravura ao coração que sucumbia.

Com a calma com que vejo, ao fim do dia,
o sol agonizar num céu sangrento,
também o teu silêncio eu pressentia:
eu esperava o teu esquecimento.

Um grande bem não dura a vida inteira,
hoje, voltando à antiga nostalgia,
desfeito o sonho da alma cancioneira,

posso te agradecer a caridade:
com as esmolas de amor que eu recebia
vivi momentos de felicidade.
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João Rangel Coelho
Juiz de Fora/MG, 1897 – 1975, Rio de Janeiro/RJ

MÃOS


As tuas longas mãos alvinitentes,
despetalando rosas ao luar,
são brancas, "como dois lírios doentes"
no lago emocional do meu olhar.

Meu triste amor!... Nas horas mais pungentes
da minha vida boêmia e singular,
as tuas mãos de seda, transparentes,
teceram meu destino, a acarinhar.

Quando partiste, as tuas mãos esguias,
num derradeiro gesto de agonias,
tremularam de manso aos olhos meus

e, com saudade imensa e dolorida,
deixaram para sempre a minha vida
na balada tristíssima do adeus.

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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